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Qual o melhor modelo de saúde pública?

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Conforme constatei na primeira resenha que escrevi de Welfare of Nations, o livro merece muitos textos, pois são tantos dados que não caberiam num só artigo. Segue, então, mais um, em que vamos falar de um dos temas mais delicados que existem: o modelo de saúde pública.

Antes de continuar, um caveat: não existe algo ideal aqui. Melhor esquecer qualquer panaceia ou solução mágica, tanto os libertários que defendem simplesmente a completa ausência do governo, como principalmente os socialistas que clamam por uma saúde pública universal administrada pelo estado. Tais extremos não funcionam.

Não parece razoável imaginar que milhões de pessoas – de eleitores – possam ficar à margem de algum tipo de saúde pública oferecida pelo governo, seja por meio de hospitais estatais (pior) ou de subsídios (melhor). Saúde não é como qualquer outro produto, e do ponto de vista estritamente pragmático, uma revolução poderia se seguir a uma indignação crescente com uma multidão mais pobre morrendo sem acesso ao básico.

Por isso mesmo todo governo acaba se metendo no assunto e fornecendo algum modelo com participação estatal nesse setor. Mas aqui, como alhures, James Bartholomew mostra que o “welfare state” fracassou, ou seja, os modelos com muita dependência da participação estatal, principalmente na oferta e financiamento dos serviços de saúde, levaram a uma situação insustentável e ruim justamente para os mais pobres.

Cingapura, por exemplo, que foi uma colônia britânica e era bem mais pobre do que a metrópole, com uma medicina pouco sofisticada, hoje despontou: bebês nascidos lá têm metade da probabilidade de morrer até completar um ano do que aqueles nascidos na Inglaterra, cujo sistema público costuma ser muito elogiado – normalmente por quem está de fora dele.

E qual o seu segredo? Adianto que não é o gasto maior. A Inglaterra gasta quase 10% do PIB em saúde, a Alemanha gasta 11,3%, os Estados Unidos impressionantes 17,9%, enquanto Cingapura gasta menos de 5%. O governo oferece algum subsídio para os mais pobres, um fundo ajuda aqueles que não conseguem pagar as faturas, mas a filosofia é bem liberal: sempre que possível, o pagamento deve sair do bolso do próprio paciente.

A ideia é a de que haverá menos desperdício se o recurso sair do bolso de cada um, pois quando se trata do gasto do governo ninguém liga muito para eficiência. Mas há uma parcela nada liberal no sistema de Cingapura: todo trabalhador é obrigado a contribuir com algo entre 7 e 9,5% da sua renda para uma conta de poupança voltada para saúde, chamada Medisave. Os empregadores pagam um pouco menos da metade desse montante.

Se isso não soa tão liberal assim, um detalhe importante faz toda diferença: essas contas são individuais, pertencem ao próprio contribuinte, e quando ele morre, os valores são repassados para seus herdeiros. Ou seja, é sua propriedade. O governo obriga a poupar para gastos com medicina, mas a poupança não vai para uma cesta coletiva “sem dono”, como ocorre nos países com “welfare state” pesado.

Para o autor, o sistema de lá não é perfeito, o governo volta e meia faz ajustes e a população gostaria de aumentar a parcela dos seguros e diminuir o pagamento próprio. Mas não deixa de ser um dos modelos mais eficientes dos países ricos, talvez o melhor de todos. Dificilmente, porém, pode ser copiado integralmente pelos demais, até porque a democracia não é exatamente o forte em Cingapura.

Outro ponto que Bartholomew identificou relevante para a eficiência do custo/benefício dos diferentes modelos é a atenção dada à medicina preventiva, que custa bem menos do que hospitais. Monitorar a saúde dos pacientes com frequência pode economizar bilhões para o sistema de saúde. Alguns locais conseguiram melhorar essa prática com parcerias privadas, mas não é fácil replicar o modelo em larga escala.

Essa deveria ser uma meta das próprias seguradoras. A liberal Suíça obriga todo cidadão a comprar um seguro, mas há ampla concorrência do lado da oferta, que é privada. Nos Estados Unidos, milhões não possuem qualquer seguro, e o Obamacare tentou mudar isso. Mas, da forma que foi feito, acabou encarecendo os seguros. Muito do que acaba sendo elogiado no modelo “perfeito” canadense é mito (recomendo o filme “Invasões Bárbaras”). A Austrália tem um bom sistema, mas há pacientes deixados nas rampas de acesso dos hospitais para não prejudicar as estatísticas oficiais.

Enfim, não há perfeição quando se trata de modelo de saúde. A conclusão do autor é que o próprio desenvolvimento econômico tende a levar a uma melhor saúde da população. Logo, o foco deveria ser aumentar o crescimento. Mas continua complicado falar em milhões de pessoas sem seguros e sem acesso ao básico, o que pode ser uma bomba-relógio numa democracia de massas.

O modelo de monopólio do estado é logo descartado como o pior deles. Não funciona, custa caro demais, há muito desperdício e corrupção, e os incentivos são inadequados tanto para pacientes como para médicos. O socialismo não funciona em lugar algum, e isso inclui o setor de saúde. Já um sistema que deixa uma parcela desatendida pode se mostrar inviável democraticamente falando.

Bartholomew sugere, então, uma combinação dos modelos de Cingapura e da Suíça ou Holanda, com a criação de uma conta individual de poupança para esta finalidade, e esses recursos seriam usados para pagar pelos tratamentos de cada um, incentivando um uso eficiente e evitando desperdícios. Os impostos poderiam ser reduzidos como contrapartida, já que estaríamos arcando com uma parcela maior dos gastos com saúde, liberando o governo disso.

Todos seríamos obrigados, ainda, a contratar um seguro de saúde, numa ampla concorrência de mercado e sem tanta intervenção regulatória (quando o governo obriga os seguros a incluir inúmeras coisas, como até psicólogos, isso encarece o produto e o torna proibitivo para os mais pobres). Os prêmios seriam pagos de acordo com a cobertura escolhida, não a idade ou pré-condições.

Vale lembrar que o propósito do seguro não é para o uso cotidiano, mas para uma eventualidade catastrófica, tal como o sinistro no caso dos seguros de automóveis (ninguém contrata seguro de carro para bancar a manutenção anual necessária). É um sintoma de uma distorção muito grande causada pelo governo acharmos que cada ida ao médico deve ter reembolso quase integral da consulta.

Nesse modelo, o relacionamento entre paciente e médico voltaria a ser mais direto, pois cada um pagaria do próprio bolso pelas consultas. Haveria também o incentivo de focar na saúde preventiva, para evitar gastos imprevistos. As próprias seguradoras poderiam oferecer exames periódicos de check-up e monitoramento, para reduzir as despesas com hospitais.

Seriam mudanças radicais frente ao que temos hoje nos principais países desenvolvidos, com muita dependência do estado. Mas esse modelo atual não tem funcionado nada bem. E a tendência é seu custo explodir com a demografia piorando e o aumento da expectativa de vida, graças aos avanços capitalistas. A conta não fecha. E quando um parente seu tiver uma doença grave, de nada vai adiantar monopolizar as boas intenções e delegar ao governo o papel de salvador. Ele simplesmente não consegue entregar o prometido.

Não é fácil evitar o sensacionalismo nesses debates, pois quando se fala em saúde, fala-se em salvar vidas, e é delicado manter a racionalidade nessas horas. Os demagogos logo aparecem com a falsa dicotomia entre lucros ou vidas humanas. Mas alguém está mesmo disposto a sustentar que o nosso SUS é o grande modelo a ser seguido?

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Rodrigo Constantino

Rodrigo Constantino

Presidente do Conselho do Instituto Liberal e membro-fundador do Instituto Millenium (IMIL). Rodrigo Constantino atua no setor financeiro desde 1997. Formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), com MBA de Finanças pelo IBMEC. Constantino foi colunista da Veja e é colunista de importantes meios de comunicação brasileiros como os jornais “Valor Econômico” e “O Globo”. Conquistou o Prêmio Libertas no XXII Fórum da Liberdade, realizado em 2009. Tem vários livros publicados, entre eles: "Privatize Já!" e "Esquerda Caviar".

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