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Por que eu não aplaudo as capas do Extra

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CAPASEXTRADefinitivamente, os diferentes setores das Humanidades, desde a Pedagogia, com seus “paulofreirismos” crônicos, até a Comunicação e o Jornalismo, estão infestados pelos ditames do politicamente correto e, principalmente, do quimérico “pensamento crítico”. Esse tal de pensamento crítico, a noção de que devemos desconstruir filosoficamente o que nos cerca, refletir criticamente sobre a realidade social, pode ter sua expressão nobre, se for apoiado naquilo que lhe deveria dar fundamento: a autonomia individual. Infelizmente, o que se vê é que, onde ele é recomendado, associa-se à ideia de que deve ser instrumentalizado por uma diretriz ideológica imposta, conduzindo as mentes das pessoas na direção de uma politização à esquerda de todas as esferas da vida. Esse fenômeno, que não é exclusivo do Brasil, tem passado de todos os limites em nosso país, e duas recentes capas do Jornal Extra provam isso.

A primeira, de 21 de maio, menciona a morte do médico ciclista Jaime Gold na Lagoa, esfaqueado por assaltantes. A capa diz: “Só não se esqueçam de Gilson e Wanderson”. Esse adendo, colocado em destaque, faz referência aos jovens mortos no Morro do Dendê durante operação da polícia, alegando que “crimes em pontos turísticos têm maior repercussão”. A segunda, de 22 de maio, fala nas “duas tragédias antes da tragédia”, descrevendo aspectos da vida pregressa dos assaltantes – e assassinos – do médico, relacionando decisivamente a trajetória de pobreza e sofrimento dos rapazes com o crime repulsivo, fechando com a cereja do bolo: “um inocente pagou com a vida pela sucessão de tragédias”. Muitos dos que enxergam em si mesmos os representantes do “progressismo”, verdadeiros “críticos sociais” superiores, acima dos “radicais brutamontes que defendem a redução da maioridade penal” – muitos deles julgando-se entendedores da realidade dos mais pobres, mas que se queixam da “direita” pré-histórica, playboy e neoliberal, enquanto inundam as redes sociais com seus passeios luxuosos em Paris, na prática do “esquerdismo caviar” de cada dia – aplaudiram entusiasticamente as capas do Extra como grandes realizações do Jornalismo brasileiro. Pois muito bem, eu não sou manada e NÃO aplaudo.

Conjugadas, essas duas capas demonstram uma vocação rousseauniana inequívoca, exatamente naquilo que Rousseau tem de pior. Exalta-se de forma implícita – especialmente na segunda capa – o ser humano em seu hipotético “estado natural”, como bom e presumivelmente puro, conduzido a um péssimo caminho pelos imperativos sociais e econômicos de sua existência. A organização social, as “desigualdades”, e um suposto desprezo das “classes” econômicas mais abastadas (o que inclui a “classe média” que sua para pagar as contas) pela vida dos mais pobres, em suma, todos esses fatores externos são culpados por “fabricar” pobres coitados que desbancam para o homicídio selvagem. A trajetória pregressa e os defeitos da sociedade explicam e justificam o abominável ato de vitimar um trabalhador. Porque sim, o médico também é, e como é, um trabalhador!

O determinismo escancarado nesse tipo de raciocínio é um desserviço aos próprios pobres, que passam a ser, quando optam por uma vida de esforço digno, a despeito das dificuldades – e estes são a maioria -, verdadeiros fenômenos espantosos; afinal de contas, sua condição permite pressupor que seu destino seria se tornarem pequenos psicopatas que matam pessoas a facadas com total sangue frio! – pessoas, aliás, desarmadas e que, como no caso de Jaime Gold, não reagiram ao ataque. Os incontáveis exemplos do contrário denunciam a falsidade de uma premissa que caminhasse nesse sentido e apresentasse a lógica de “classe” ou “origem” como o fator que estabelecesse quem nós somos. Será que os jornalistas do Extra consideram esse falso recado educativo? Considero válido chamar a atenção para todos os dramas que a sociedade vive, mas, com essa retórica comparativa, com essa retórica acusatória – como se nós estivéssemos brutal e injustamente enraivecidos com as “vítimas do sistema” que “ingenuamente” agrediram uma vida e, por consequência, toda a sua família, e como se nós fôssemos insensíveis que dão de ombros para o sofrimento nas favelas, porque os “pobres” não têm importância -, o que os jornalistas estão fazendo é apontar o dedo para seus leitores compreensivelmente indignados, e dizendo que a culpa é deles. Politicamente correto seria concordar, mas eu não concordo. Sou responsável pelo que eu faço, e não pelo fato de estarem – vou repetir – matando pessoas a facadas nas ruas.

Primeiramente, para o pensamento liberal, não existem os “ricos” e os “pobres” como classes ontológicas e essenciais; existem os seres humanos, e existem as leis econômicas. Na cabeça desses iluminados “progressistas”, entretanto, tudo é avaliado a partir de dicotomias belicistas, onde as chamadas “classes” estariam prontas a destruir e esmagar as outras. A dor do “rico” – ou da “classe média fascista”, acaba não fazendo diferença – vale menos, não importa. Não lhes toca o sofrimento de quem tem mais dinheiro; se podemos politizar com isso, está liberado! Por isso, na primeira capa, o Extra sustenta haver uma atenção desmedida para a vítima no “bairro nobre”, e um desprezo pelas vítimas da violência já crônica das “regiões da periferia” – como se nos chocasse mais, como público e como veículos de comunicação, o drama humano que ocorre em uma região que o que ocorre em outra. Algo semelhante se deu quando o filho de Geraldo Alckmin morreu em um acidente, e pessoas do nível de Luciana Genro grasnaram que sua morte não merecia tanto destaque, e que mais dignas de pranto seriam as pessoas que ele condenaria à morte todos os dias por sua política de segurança pública (?). Parece que estamos, nós que nos chocamos com tragédias como essa, raciocinando friamente, o tempo inteiro, sobre se está sendo vitimado alguém “rico” ou alguém “pobre”! Parece que estamos, nós que não perdemos nosso tempo calculando o peso político e a “crítica social” que podemos construir diante da perda bárbara de vidas humanas, mensurando quais tristezas, de quais famílias que são vítimas desse tipo de monstruosidade todos os dias, valem mais, procurando discernir entre umas e outras!

Juro, não estamos. São seres humanos as vítimas, quaisquer que sejam, eis tudo. Acusam-nos, à “direita neoliberal” e à “classe rica” (até parece!), de nos cegar para o drama de uns e ressaltar o de outros. Que dizer, então, por exemplo, das centenas de policiais mortos todos os dias? Vocês, nobres críticos sociais, pranteiam a morte deles? Destacam cada um desses guerreiros que perdem as vidas em condições precárias, batalhando pela segurança dos outros? Que dizer do desaparecimento de Amarildo, um ajudante de pedreiro que tomou os noticiários até mais do que o “rico” médico ciclista da Lagoa? Onde esteve, então, a poderosa “conspiração do silêncio”, que silencia as mortes nas “comunidades” para privilegiar os endinheirados?

Uma sociedade “coitadista”, em que até a faca é mais culpada que o assassino que a usou – não é brincadeira; a OAB defendeu que o porte de armas brancas, como facas, seja submetido a forte vigilância governamental, e a Globo News lançou uma enquete ao público perguntando se concorda com isso -, sempre preferirá mensurações odiosas e comparações hostis, e desprezará o papel da autonomia e da responsabilidade. Por isso, e movida pelas suas próprias frustrações, aplaudirá capas como as do Extra, que dão um foco totalmente equivocado, e até insensível, às notícias veiculadas.

Nós, a tal “direita neoliberal”, estamos verdadeiramente preocupados com os dramas sociais, em vez de nos abraçarmos a slogans demagógicos para nutrirmos a confortável crença infantil de que estamos fazendo mais do que os outros. Lembro-me do recado de Hayek, no Jornal da Tarde, em São Paulo, no já distante 1988: “a população mundial é tão numerosa que só a economia capitalista conseguirá alimentá-la. Se o capitalismo desaparecer, o Terceiro Mundo morrerá de fome; é o que já ocorre na Etiópia”. Não é notória a preocupação humanitária? Os pensadores liberais e defensores do capitalismo jamais deixaram de se preocupar com os dramas da pobreza e da miséria, mas propuseram para elas soluções funcionais, que não recorrem ao “vitimismo”, nem menosprezam a subjetividade e as distinções do esforço autônomo do indivíduo. As capas do Jornal Extra colaboram com aqueles que, ao contrário, coisificam o indivíduo e o subordinam ao meio em que se acha. O valor da autonomia individual, que advogamos ao começo deste artigo, é o último ingrediente que interessa aí e, por consequência, assim também a dignidade humana.

 

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

Um comentário em “Por que eu não aplaudo as capas do Extra

  • Avatar
    26/05/2015 em 9:40 am
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    “Há um canto especial no inferno para quem diz “Tá com dó? Leva pra casa!”” Título na matéria do Sakamoto em 25/05, com um detalhe, ele não permite comentários

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