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Pelo fim do intervencionismo internacional

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Humberto Cimino*

paul

Enquanto no campo econômico o principal debate se dá entre mais intervenção do Estado ou menos intervenção do Estado, por vezes ignoramos que essa abstração chamada “Estado” também age (e muito) fora do campo econômico. Conservadores adoram especular quanto a vida privada de outras pessoas e em como elas devem ter padrões morais impostos pela sociedade e que essa imposição, quase sempre violenta, deve ser protegida pelo Estado.

Mas muito pouco se fala no meio libertário quanto a política externa. Libertários abraçam a bandeira do não-intervencionismo de maneira radical, sempre criticando qualquer intervenção política, econômica ou militar que possa acontecer. Como o epicentro do movimento liberal é os Estados Unidos, sempre debatemos política externa com base em pensadores norte-americanos e europeus, esquecendo que temos um imenso espaço e até o mesmo o dever de pensar política externa sob a ótica libertária aqui mesmo no Brasil.

Ron Paul, que esteve recentemente no Brasil, deixou sempre claro em seus discursos e em seus livros que é contrário a qualquer tipo de política externa intervencionista. De maneira lúcida, lembra que os Estados Unidos contribuíram para a atual instabilidade do Oriente Médio e na Ásia Central desde os anos 80, quando patrocinaram o que viria a se tornar o Talibã na luta contra a União Soviética na já longínqua guerra entre a URSS e o Afeganistão, iniciada em 1979.

No que diz respeito as mais recentes intervenções dos Estados Unidos, Ron Paul é ainda mais crítico. Embora não levante sua voz quanto a guerra da OTAN no Afeganistão, liderada pelos EUA e iniciada em 2001[1], Ron Paul é um crítico ferrenho da Segunda Guerra do Iraque, iniciada em 2003, pelo governo de George W. Bush. E o ex-congressista está correto.

Em uma breve análise do cenário atual do Oriente Médio, que está dividido entre xiitas e sunitas, governos autocráticos e movimentos movidos pelo terror (ISIS – Estados Islâmico) e entre países apoiados por Rússia/Irã e EUA/Reino Unido/França, Saddam Hussein faz falta. Não só para os Estados Unidos, mas para o próprio povo Iraquiano, que com exceção dos curdos vivia em relativa prosperidade e segurança sob o governo despótico e sanguinário do líder do partido Baath.

Mas o que é capaz de fazer um libertário defender Saddam Hussein? Pragmatismo.

Quando os Estados Unidos invadiram o Iraque em 2003, garantiram que a liberdade estava chegando para “ficar” no oriente médio, bem como o modelo de democracia ocidental à lá EUA. É claro que a imposição de ideias por meio da força não funciona bem. E o subsequente desastre iraquiano é o símbolo patente de um modelo de política externa que não é apenas falido, mas é também perigoso e autoritário.

A liberdade no Iraque não só não avançou mas retrocedeu em níveis inimagináveis. E não foi pela escolha do povo Iraquiano que Saddam Hussein foi derrubado, mas sim porque burocratas (ou burrocratas) dos Estados Unidos decidiram que o legado de medo e terror de Saddam Hussein tinha que acabar. Junte a isso a vontade pessoal de George W. Bush, então Presidente dos EUA, de acabar com o homem que jurou matar seu pai, o também ex-Presidente dos EUA, George H. W. Bush, além da mais poderosa máquina militar do mundo e temos uma receita potencialmente explosiva.

Não podemos nos enganar pensando que Saddam Hussein era um amante da liberdade econômica e dos direitos individuais, mas é só abrir o computador ou ligar a televisão para perceber que não só o Iraque, mas sim o Oriente Médio inteiro está em frangalhos. A Síria, um oásis de tranquilidade até 2010, mergulhou em uma sangrenta guerra civil. O ocidente liderado pelos EUA ficou animado com a ideia de retirar o ditador Bashar Al-Assad do poder e então começou a fornecer armas para os rebeldes opositores do governo. Uma parte destes rebeldes hoje constitui o grupo ISIS, que recentemente teve as MESMAS armas doadas pelos EUA para derrubar Al-Assad bombardeadas pelos EUA para evitar que armas americanas matassem… americanos.

No Egito houve grande euforia com o fim do regime militar ditatorial de Hosni Mubarak. Mas quem ganhou as eleições democráticas foi um grupo oposto aos interesses ocidentais, a Irmandade Muçulmana. Como o Egito é um país onde a divisão sectária entre apoiadores de um governo islâmico que tenha por base a Sharia (lei islâmica) e os apoiadores do Estado laico é grande, a democracia não durou muito. Ao tentar mudar a constituição o governo islâmico, Mohammed Morsi foi derrubado por um golpe militar e os militares retornaram ao poder, com o General Al- Sisi. O motivo do fim do governo islâmico? Caos econômico e social, após a tentativa de substituir instituições laicas por instituições religiosas, proibindo, por exemplo, a cobrança de juros em empréstimos. Os EUA haviam apoiado o governo islâmico, mas ao ver que os rumos que estavam sendo tomados não eram exatamente aqueles que se imaginavam em Washington, retiraram o apoio ao governo democrático islâmico e contribuíram indiretamente para o golpe, já que os EUA forneciam um grande incentivo de 1 bilhão de dólares de ajuda militar anual para o Egito.

Hoje advogam para outra intervenção militar ocidental no oriente médio, dessa vez contra o ISIS, que é, sem dúvida, uma grande ameaça e deve ser combatido. Mas vamos voltar alguns anos e lembrar quais eram os maiores inimigos do fundamentalismo islâmico no oriente médio: Iraque de Saddam Hussein e Síria de Bashar Al-Assad. Tanto em Damasco quanto em Bagdá era possível ser cristão e andar despreocupado pelas ruas. As mulheres não tinham o mesmo nível de liberdade do que na Europa, mas não eram obrigadas a usar Burca nas ruas e não eram apedrejadas publicamente caso saíssem de casa sem seus maridos ou familiares.

Além disso, Saddam Hussein e Bashar Al-Assad viam o fundamentalismo como uma ameaça aos seus regimes e por isso também combatiam outro inimigo do Ocidente: O Irã. Alguém lembra do Irã ameaçando o mundo e buscando hegemonia regional na época em que o Iraque era governado por Saddam Hussein? O Iraque servia para contrabalançar os interesses Iranianos e assim os dois países, em competição pela hegemonia regional, evitavam que alguém, de fato, conseguisse obter hegemonia na região. Hoje, sem o Iraque, o Irã patrocina movimentos terroristas como o Hamas na Faixa de Gaza e o Hizbollah no sul do Líbano.

Estes são apenas alguns exemplos dos males que o intervencionismo é capaz de gerar no mundo. Hoje vivemos em um mundo muito menos livre e muito mais instável e inseguro do que em 2003. E isso é fruto da política externa intervencionista das grandes potências ocidentais.

Está na hora de deixarmos que o povo árabe resolva seus problemas de maneira independente. De deixarmos de gastar o dinheiro do contribuinte norte-americano e europeu em guerras que não conseguem derrotar terroristas e que apenas geram instabilidade. Está na hora de adotarmos uma política externa genuinamente libertária, que acredite no mercado como principal instrumento de troca entre os povos. E é somente com mais liberdade que podemos responder as ameaças ao nosso estilo de vida. Existiria ISIS em um mundo onde Saddam Hussein, Bashar Al-Assad e outros atores regionais estivessem fazendo o que sempre fizeram, combater o fundamentalismo islâmico? Sem perceber os Estados Unidos e seus aliados criaram um cenário extremamente fértil para o surgimento destes grupos.

Não pregamos a passividade diante do mal, mas admitimos de forma humilde que jamais seremos poderosos o suficiente para acabar de maneira absoluta com ele. E é por isso que a liberdade é movimentada pelas ideias. Somente as ideias podem combater de maneira eficiente o mal. Quando vejo jovens que se criaram em países europeus se alistando em um grupo que mata cristãos, mulheres, homossexuais e até mesmo muçulmanos de uma corrente diferente, me pergunto: “Mas o que houve com o ocidente!?”.

O mundo ocidental deixou de ser exemplo de liberdade e prosperidade para ser exemplo de opressão, violência e moralismo. Como disse Ron Paul em sua vinda ao Brasil: “Nós não precisamos de grandes exércitos e grandes dívidas. Temos que ser um exemplo para o mundo porque somos livres. E liberdade não se faz com guerras pagas pelo contribuinte americano”.

Por fim lanço um desafio aos meus amigos conservadores que acreditam que a liberdade deve ser defendida pelos exércitos ocidentais: Você se sente mais livre do que em 2003? Se você é norte-americano, consegue visitar mais países sem problemas e sem o risco de ser sequestrado do que em 2003?

[1] Ron Paul não é contra a guerra do Afeganistão já que acredita que os EUA tem o direito de se defender de seus inimigos. No cenário subsequente aos atentados de 11/09 era essencial, em sua visão, que os EUA buscassem quem apoiou e treinou os terroristas que derrubaram as torres gêmeas.

*Acadêmico de Relações Internacionais da PUC/SP

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