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O Governo Geisel na Economia

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Lucas Berlanza acaba de escrever para o IL-RJ “Ernesto Geisel: o testamento político de um presidente militar”. Para completar a visão retrospectiva daquele importante período de nossa História, permito-me transcrever trechos de uma palestra de teor econômico proferida por mim na CNC e publicada na Carta Mensal da CNC, número 698, maio de 2013:

Petroleo_crise_primeira_FLAG_POLICY_DURING_THE_1973_oil_crisis“A primeira crise do petróleo iria interromper um momento histórico extremamente propício ao desenvolvimento econômico. Em outubro de 1973, final do Governo Médici (que antecedeu ao Governo Geisel), se iniciava a Guerra do Yom Kippur, de Egito e Síria contra Israel. Como se temia, a arma do petróleo passou a ser usada por países árabes para influenciar os Estados Unidos e outros países ocidentais em pressões contra Israel. Para que se tenha noção da importância que teve a ocorrida quadruplicação dos preços internacionais do petróleo, nada melhor que reproduzir palavras de Reis Velloso sobre a dependência do petróleo no pós-Guerra. Abro aspas:

“O cenário que a partir de então (pós-Guerra) se desenvolveu foi o seguinte: construiu-se no mundo desenvolvido um modelo altamente intensivo de energia, com essa demanda crescendo mais que o PIB. O petróleo foi-se convertendo na fonte de energia por excelência; e a participação do Oriente Médio cresceu rapidamente.

Criou-se, por assim dizer, o oil way of life, em um mundo em que o petróleo abundante e barato era o combustível do crescimento rápido… Entre 1950 e 1973, a participação do petróleo na estrutura de consumo de energia dos países desenvolvidos saltou de 29% para 52%, enquanto a do carvão – o combustível tradicional da sociedade industrial – declinou de 57% para 22%.” (Fecho aspas).

Pois bem, o petróleo caro mudava a distribuição de renda a nível mundial e cobrava, de todos, um hercúleo esforço de adaptação aos novos tempos. Aqui no Brasil custamos a nos dar conta da gravidade do momento e o Governo, resistente a admitir desempenho inferior ao dos anos passados, insistia em manter alto o crescimento econômico, anunciando grandes projetos, financiados por empréstimos externos, e referindo-se no discurso oficial a uma pretensa “ilha de prosperidade”. Talvez a única manifestação meritória reativa ao novo quadro internacional tenha sido a abertura dos contratos de risco, que atraíam o capital estrangeiro para a exploração de petróleo em nosso território.

O ano de 1974, embalado pelo passado, ainda mostrou alto desempenho no crescimento econômico, mas já começávamos a perder a batalha no campo da inflação e, principalmente, nas contas externas.

Surgia, para vigorar nos anos subsequentes, o II PND (de Geisel e Velloso), ambicioso programa de ajustamento à crise, mobilizando um aparato de intervenção na economia nunca antes visto, e direcionado, principalmente, à substituição de importações nas áreas de bens de capital, insumos básicos e petróleo. É para esse fabuloso aparato burocrático, com seus incentivos, punições, agências de planejamento e prioridades, que daremos ênfase nos comentários que se seguem:

Cabe notar que, à época do II PND, eu dirigia o Departamento Econômico da Confederação Nacional da Indústria e tinha assento em seu Conselho Econômico. Não era costume da Instituição formular críticas duras ao Governo, mas, mesmo assim, pude publicar na Imprensa de então artigos que, complementados por outros, escritos em épocas posteriores, compuseram uma forte crítica à economia do Governo Geisel. Minha argumentação assim corria:

“No apogeu do Governo Geisel, trabalhava-se com uma contida carga tributária, mas era formidável o aparato de instrumentos não fiscais acionados para a intervenção governamental. Vivíamos, então, o tempo do planejamento estratégico centralizador e da política industrial ativa, em que se escolhiam, no Olimpo, setores prioritários e empresas vencedoras. Para cada problema real, ou objetivo nobre, surgia uma ação corretiva do Estado que, por meio de incentivos fiscais e créditos subsidiados fartos, procurava direcionar a produção e os investimentos, bem como corrigir desigualdades de renda.

Parecia que, no limite, todo setor teria um órgão próprio de planejamento e fomento. Para cuidar da cafeicultura, o IBC; para o açúcar e o álcool, o IAA; para o cacau, a Ceplac; para a borracha, a Sudhevea; para a pesca, a Sudepe; para as florestas, o IBDF; para os computadores, o Capre (que virou SEI, mais tarde); para a construção naval e a marinha mercante, a Sunamam; para o aço, a Siderbras e o Consider; para a energia elétrica, a Eletrobras, etc. Somente o ‘complexo soja’ e a produção de carnes, setores que curiosamente mais se desenvolveram, não tinham uma ‘Sojabras’ ou uma ‘Carnebras’ para tutelá-los. O monopólio do petróleo, privativo da União, na prática era exercido pela Petrobras, que não abria espaços para ninguém.

Reservas de mercado eram concedidas em abundância, sendo a mais notória a que regulou o setor de informática por muitos anos. Empresas estatais dominavam toda a infraestrutura de energia, aço, estradas, ferrovias, portos, telecomunicações etc. Empresários se submetiam a uma verdadeira via crucis em busca dos favores governamentais no BNDES, CDI, CDE, Cacex, INPI, Sudene, Sudam, etc. Quem não fosse ‘prioritário’, não tinha condições de sobreviver.

Proliferavam as agências encarregadas da regulamentação, controle e punição da vida empresarial. O CIP e a Sunab dilatavam seu escopo no controle dos preços para coibir as estruturas de oligopólio e as ações especulativas, bem como para reverter expectativas inflacionárias.

Os juros ora eram controlados, ora liberados. O CADE e a SEMA se ocupavam, respectivamente, da defesa do consumidor e do meio ambiente. Os mecanismos de crédito eram subdivididos em compartimentos estanques. Para o registro dos contratos de tecnologia não bastava a livre vontade das partes contratantes. O INPI tinha de se pronunciar visando à garantia de um maior poder de barganha às empresas nacionais e para evitar a remessa disfarçada de lucros. Índices de nacionalização elevados eram exigidos para a aprovação de projetos e nas concorrências públicas. Acordos eram celebrados na Cacex com produtores nacionais para que as importações de máquinas e equipamentos do exterior não colidissem com os objetivos da lei do similar nacional. Ainda no comércio exterior, eram criadas proibições, quotas, pautas mínimas, preços de referência, depósitos prévios, atrasos burocráticos propositados e, muitas vezes, se exigia que a comercialização de certos produtos fosse monopólio de empresas do Governo. (Falo aqui da Interbras e da Cobec, de triste memória.)

Na política voltada para a Indústria de Base, procurava-se induzir um modelo tripartite de 1/3 de capital estatal, 1/3 de capital privado nacional e 1/3 de capital estrangeiro. A bonita regra de gabinete, garantidora de maioria para o setor privado e para o controle do capital nacional, raramente coincidia com os interesses dos acionistas. Faltava combinar com os beques russos, como nos ensinou Mané Garrincha!

Mas não era só isso! Também na macroeconomia era grande o ativismo estatal, já que os principais ‘preços’ sofriam a intervenção direta do Governo Federal. A correção monetária era toda regulada por lei e obedecia a parâmetros tecnocráticos. (Financiamentos prioritários do BNDES, entretanto, recebiam correção monetária limitada a 20% ao ano.) Para a taxa de câmbio, tínhamos uma regra matemática de minidesvalorizações estabelecida em gabinete. Os reajustes de salários, em toda a economia, eram regulados por lei federal. Finalmente, os preços de mercadorias e serviços eram controlados pelo CIP e Sunab, com base em planilhas de custo e outros critérios menos explícitos (para dizer o mínimo!).”

“As agências governamentais cresciam, assim como cresciam as suas atribuições, em grande parte pela facilidade que tinham de legislar em matéria econômica por meio de portarias, resoluções, atos normativos, comunicados etc. Cada funcionário público possuía em sua mente um determinado projeto de salvação nacional. Seu desejo de resolver problemas, segundo suas concepções, acabava por transformar cada agência do Governo em um feudo individual de planejamento. O emaranhado de intervenções estatais complicava sobremaneira o cômputo das vantagens e dos preços relativos, turvando a visão empresarial. As prioridades eram tantas e em tantas áreas que se acabava, na verdade, sem prioridade alguma.”

Não é preciso dizer mais nada!”

 

imagem: Wikipédia; link atribuído pela Editoria

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Rubem Novaes

Rubem Novaes

PhD em economia pela Universidade de Chicago e colaborador do Instituto Liberal-RJ. Foi professor da EPGE/FGV, diretor do BNDES e presidente do SEBRAE.

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