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O Bloqueio do Whatsapp X a Liberação de Crimes

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Nota do IL: As opiniões expressas a seguir são de inteira responsabilidade de seu autor.

Bourdin Burke *

Toda vez que o Whatsapp é bloqueado por decisão judicial, a maioria das pessoas tem a sensação de ter sido trancafiada em uma sala escura por algumas horas, tal a relevância desta ferramenta que conecta amigos com amigos, clientes com fornecedores, chefes com empregados, e até bandidos com bandidos. Sim, este fato precisa fazer parte do debate que busca equacionar a privacidade dos usuários do aplicativo com a persecução penal.

Afinal, tão importante quanto assegurar que o Estado não interfira em nossas vidas, além do estritamente necessário para preservação de direitos fundamentais de terceiros, é impedir que terceiros releguem ao segundo plano nossas vidas com a conivência ou omissão dos membros do Judiciário, da Polícia e do Ministério Público, cuja razão maior de existirem consiste, justamente, em reprimir delitos, imputando penas aos transgressores com a finalidade de preservar a estabilidade da sociedade e possibilitar o seu desenvolvimento.

Demandar a proibição de algo por meio de imposição legal faz parte do repertório do brasileiro. É desagradável jantar em um restaurante com pessoas fumando ao lado? Clama-se por normas estatais que vetem por completo tal prática. Uma alternativa viável seria o Estado ter delegado aos comerciantes autonomia para permitir ou não que seus clientes fumassem – o que daria origem a estabelecimentos de fumantes, de não fumantes, que permitissem ambos em dias e/ou horários alternados, enfim, todas as demandas seriam atendidas por empresários ávidos por consumidores contemplados por sua política de (in)tolerância à fumaça.  Mas, assim, o Estado babá (assistencialista) não poderia embalar o cidadão sequioso por “proteção” governamental.

Ora, se rogamos que a administração pública interfira em nossas relações com tanta frequência, resolvendo conflitos em nossas vidas e tomando decisões em nosso lugar, não deveria surpreender quando o Legislativo impede os pais de aplicarem um puxão de orelha nos filhos em seu processo de educação, quando o INMETRO proíbe a venda de lâmpadas incandescentes, ou quando a Justiça suspende a utilização de um aplicativo usado por mais de cem milhões de brasileiros – especialmente para trabalhar.

Some-se a isso o fato de que os departamentos de Humanas das universidades (onde abrigam-se os cursos de Direito) são, via de regra, redutos do pensamento coletivista (notadamente após a revolução cultural dos anos 1960, quando vários países ocidentais experimentaram uma guinada à esquerda), e temos o cenário em que a vasta maioria de Juízes, Promotores e Procuradores são adeptos da filosofia segundo a qual os indivíduos não são capazes de andar com as próprias pernas e necessitam de seres clarividentes ditando-lhes que rumo tomar em cada encruzilhada de suas vidas.

Todavia, seria interessante ponderar se, desta feita, esta interferência do Estado não é imprescindível, na medida em que, ao determinar o bloqueio do aplicativo, seguindo dispositivos legais que regulam a matéria, o juiz que assim procede objetiva dar eficácia ao desejo do legislador constituinte de resguardar a segurança da sociedade, nos termos do 5º da Carta Magna. No momento em que, sob o pretexto de assegurar a liberdade de expressão e preservar a continuidade de um serviço, condenamos tal decisão judicial, não estaremos assegurando a criminosos de toda espécie um canal seguro (já que inacessível aos investigadores) para sua operações ilícitas?

O usufruto de nenhum direito civil deve ser absoluto: a liberdade de manifestação do pensamento não pode ser alegada para expressar injúrias raciais; a garantia à inviolabilidade do domicílio não pode ser invocada para ocultar a prática de atividades criminosas. Neste sentido, o direito à privacidade nas mensagens trocadas por usuários do Whatsapp deveria servir de justificativa para que seguidores do Estado Islâmico pudessem arquitetar, mansamente, um ataque terrorista direcionado à cerimônia de abertura dos jogos olímpicos, por (macabro) exemplo? Ou, quem sabe, pedófilos nem precisem mais utilizar a internet profunda para trocar fotos de crianças nuas, já que usando o Whatsapp a certeza da impunidade será absoluta.

Aqui cabe uma comparação com situações sui generis que, vez por outra, ocorrem no Brasil, e que são geradas a partir do conflito entre o direito constitucional dos trabalhadores a um ambiente de trabalho seguro versus o direito constitucional de todos os demais pagadores de impostos à saúde: a coleta de lixo. Nestes casos, o que deve prevalecer?

Não me parece razoável interditar tal atividade até que sejam atendidas as exigências normativas (visando à prevenção de acidentes laborais com os coletores) se, para isso, toda a população de uma cidade precisar ficar exposta a doenças, em decorrência do lixo acumulado nas ruas. Tais querelas costumam ser sanadas seguindo um trâmite que poderia, em tese, nortear o caso em tela: o Judiciário suspende a interdição promovida pela autoridade administrativa e concede um prazo para que a companhia faça as adequações necessárias – ao fim do qual os efeitos da interdição voltam a vigorar – normalmente estipulando, ainda, multa diária.

Tal caminho, no entanto, não pode ser trilhado neste imbróglio, visto que o Facebook já deixou claro que sequer cogita a hipótese de quebrar a segurança de seu sistema. Não adianta conceder prazo ou aplicar multas para uma empresa bilionária que declara abertamente que não irá atender à requisição judicial.

É sabido, contudo, que o que estaria em jogo, caso o Facebook decidisse cumprir integralmente a determinação judicial, seria muito mais do que o risco de conversações de foro íntimo serem trazidas a público. O princípio da criptografia envolve não apenas fechar o cadeado, mas também jogar a chave fora – de tal forma que nem mesmo a empresa de comunicação a possui. Modificar este sistema, de maneira a permitir que esta chave fique embaixo do tapete, para o caso da Justiça precisar entrar, abriria um verdadeiro portal para hackers, que comprometeria, inclusive, a segurança de movimentações bancárias.

A operação lava jato logrou demonstrar o quão importante são as interceptações telefônicas (e de mensagens de e-mails) para a apuração de crimes contra o patrimônio público. Nada mais natural, nesta conjuntura, que corruptos e corruptores passem a utilizar aplicativos com mensagens criptografadas para escapar da vigilância das forças de imposição da lei. Eis porque o argumento segundo o qual os investigadores deveriam “buscar outros meios” de comprovar a culpa dos infratores soa deveras infrutífero, uma vez que  absolutamente todos os atos ilícitos podem ser conduzidos sob o manto da codificação indecifrável.

E a dimensão do problema aumenta quando levamos em conta que, além do Whatsapp, ainda há outros aplicativos do gênero que fazem uso da mesma tecnologia, o que obrigaria o Estado a exigir que todos eles rezassem por sua cartilha. Como se não bastasse, existem meios de acessar o Whatsapp mesmo durante o período de bloqueio no Brasil.

Ou seja, estamos diante de um problema dos mais complexos, e até mesmo por isso o debate deve considerar todos os aspectos pertinentes. Um país que não consegue nem mesmo impedir que presidiários comandem suas facções usando celulares, depara-se, de repente, com uma controvérsia muito mais intricada. Não chegaremos, pois, a um denominador comum somente criticando aqueles que, atualmente, estão de mãos atadas frente a evidências de crimes camufladas pelo véu da tecnologia da informação. No país da impunidade, alimentá-la ainda mais pode dar origem a um Frankenstein verde e amarelo – e possibilitar que o “Victor” faça uma visitinha surpresa ao Maracanã em agosto…

 

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