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“Liberalismo e Justiça Social”: uma síntese abrangente de Ubiratan Borges de Macedo

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LIBERALISMO_E_JUSTICA_SOCIAL_1390590003BContando, em sua elaboração, com os apontamentos de figuras hercúleas do debate intelectual acerca de política e economia no Brasil, como o fundador do IL, Donald Stewart Jr., o professor Ricardo Vélez, Og Leme, Antônio Paim, o embaixador Meira Penna, entre outros, Liberalismo e Justiça Social, do renomado professor Ubiratan Borges de Macedo, é uma compilação de ensaios que buscam, da perspectiva de um pesquisador brasileiro, reconstituir a história do liberalismo no país e no mundo. Além disso, o autor delineia uma série de questões que se entrelaçam com a problemática liberal, como o conceito de “justiça social”, presente já no título.

A sociedade aberta e a tirania da “justiça social”

A obra se divide em doze capítulos com estruturas bem diferentes, desde artigos opinativos, passando por estudos acadêmicos, até um diálogo instigante e construtivo entre notáveis inteligências do movimento liberal brasileiro daquele tempo. O primeiro capítulo, Situação do liberalismo no século XX, é um passeio por autores que desenvolveram idéias vinculadas ao liberalismo clássico, muito embora reconhecendo diferentes tendências entre eles. Inclusive, uma das principais teses endossadas pelo livro é a de que o liberalismo é um substrato conceitual apropriado por diferentes correntes e composições ideológicas menores, estando algumas a puxá-lo mais na direção do conservadorismo político, e outras a puxá-lo mais para a esquerda. Estas últimas são o enfoque desse início do livro, com destaque para o trabalho de John Rawls e John Dewey.

Em O ideal de sociedade aberta em Stuart Mill e sua crítica, o professor Ubiratan se dedica a um debate delicado e difícil, sem respostas prontas, sobre a liberdade a ser conferida às opiniões no convívio em sociedade, e as regras que devem limitar as ações na “sociedade aberta”, com base em pensadores como Popper e o próprio Mill. Em sua opinião, em suma, “a sociedade aberta, para o ser, deverá ser fechada quanto a um mínimo de regras”. Analisando, em A liberal democracia neste fim de século, as complicadas relações entre liberalismo e democracia construídas nos últimos tempos da humanidade, Ubiratan as enxerga como conquistas que possibilitam o pluralismo e a convivência do diferente.

Ubiratan Borges de Macedo
Ubiratan Borges de Macedo

O quarto capítulo, O espírito do capitalismo democrático, é uma pequena análise do livro do jovem filósofo católico americano Michael Novak, acerca dos “valores possibilitantes do sistema” do capitalismo democrático, “como também sobre as atitudes implícitas e necessárias ao seu funcionamento”. O quinto capítulo, com o mesmo nome do livro inteiro, contém a elaboração teórica principal do professor Ubiratan sobre o histórico de entendimento do conceito de “justiça social”, apreciando a maneira como intelectuais medievais, sociais liberais, liberais clássicos e católicos interpretaram e desdobraram a ideia. Sua conclusão, principalmente respaldada no grande economista austríaco Friedrich Hayek, é a de que esse conceito vem sendo instrumentalizado pelo Estado para que, em prol de valores hostis ao mérito e à produtividade, este encontre a oportunidade perfeita para inchar cada vez mais, o que um verdadeiro liberal deve diagnosticar e combater.

Um histórico do liberalismo tupiniquim, a Constituição inchada e a conversa produtiva

O sexto capítulo, O Liberalismo no Brasil, é uma reconstrução da presença do pensamento liberal na trajetória brasileira, desde a sua chegada, possibilitada, paradoxalmente ou não, pela espécie de “despotismo esclarecido” do Marquês de Pombal ao tempo da colônia e intensificada com a pregação de Hipólito da Costa e o Correio Braziliense. Ao contrário do que muitos podem pensar, sem negar o forte fundo patrimonialista e estatizante com que o país se construiu – muito bem dissecado por autores como o professor Vélez e Bruno Garschagen -, o professor Ubiratan lembra que “o liberalismo foi apontado por Euclides da Cunha como criador da nacionalidade brasileira” e é verdade, uma vez que a ideologia fundamental e nuclear das lideranças políticas que construíram o Império era a base liberal do século XIX.

A partir daí, Ubiratan destrincha as divisões ideológicas e históricas do liberalismo no país, passando pelo liberalismo radical de um Frei Caneca, o liberalismo doutrinário (inspirado em pensadores franceses como Benjamin Constant, Guizot e Cousin) típico de grandes estadistas do Partido Conservador, e o que ele chama genericamente de liberalismo cientificista, que ampliaria a preocupação política dos doutrinários para “os temas sociais, econômicos, educacionais e religiosos”, o que englobaria figuras como Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Clóvis Beviláqua. Considero, porém, se me permitirem a ousadia, que há um detalhe em que meu entendimento diverge um pouco; ele aponta que os liberais nesse grupo aceitaram a República “como fruto da evolução, sem a defesa e o entusiasmo dos radicais”, e não me parece tenha havido nenhuma consideração positiva de Nabuco, por exemplo, a respeito do regime republicano. Com efeito, a República Velha e o Estado Novo promovem um profundo eclipse do liberalismo, como o próprio Ubiratan aponta, vindo a renascer depois, como na UDN, mas nunca com a mesma independência e consistência da monarquia. Ele encerra descrevendo o movimento liberal que enxergava nos anos 90, dividindo agentes e articuladores em categorias que ele designa, de acordo com certos critérios ali expressos, de liberais sociais, neoliberais (neste grupo ele situa o grande Roberto Campos) e liberais conservadores (grupo em que situa o embaixador Meira Penna).

Encerramento da Constituinte de 1988
Encerramento da Constituinte de 1988

O sétimo, oitavo e nono capítulos se destinam a um exame crítico e propositivo da Constituição brasileira, tendo sido um escrito antes e os outros depois da Constituinte de 88. É interessante constatar a decepção do autor ao ver suas exortações não sendo seguidas. Com efeito, ele propõe uma constituição parlamentarista que remova o “entulho autoritário” acumulado na estrutura do país, e que não caia na tentação de “incluir tudo na Constituição, sob o temor de que se ali não estiver, não será respeitado”, posto que “constituições quilométricas (…) são destinadas à lata de lixo da história, num prazo curto, gerando por seu casuísmo uma perda de solenidade e credibilidade”. Constituições como a nossa, em que pese não abrirem portas para um socialismo totalitário, não são encorajadoras do pensamento liberal em suas expressões mais amplas, delegando atribuições demais ao Estado, muitas vezes quiméricas e vãs. Não estabelecem um diálogo com o povo. Não é difícil perceber isso; os americanos, por exemplo, costumam discutir ativamente itens e emendas de sua sólida e curta Constituição, enquanto a maioria de nós sequer leu a nossa.

Ubiratan se põe, então, no capítulo Moral e vida pública, a refletir sobre “as obrigações próprias dos administradores, os problemas éticos dos legisladores e os propósitos práticos de ordem legal, para o aperfeiçoamento do nível moral da vida pública”, apresentando propostas que limitem e aumentem a credibilidade do funcionalismo público e combatam a corrupção. Em seguida, a parte que talvez é a mais instigante vem em Por que sou liberal? – Um diálogo entre liberais. É a transcrição de uma conversa franca e enriquecedora coordenada pelo jornalista Claudir Franciatto, de O Estado de São Paulo, e as figuras do próprio professor Ubiratan, de Antônio Paim, Benedicto Ferri de Barros, Gilberto de Mello Kujawski e Vicente Barreto. Em um debate com discordâncias, experiências pessoais e apreciações da história brasileira e mundial, o leitor tem a oportunidade de ver em ação essas figuras consagradas discorrendo sobre a relevância e essência das estruturas do pensamento liberal ao seu tempo – inclusive, com algum destaque para sua interface com o pensamento religioso, notadamente o católico, sendo o Catolicismo a religião de muitos dos debatedores.

Finalmente, no capítulo doze, O fundo antiliberal da cultura: o tradicionalismo no Brasil,  Ubiratan passeia por uma análise de correntes tradicionalistas, em geral religiosas, como A Ordem, a Pátria Nova, a TFP (Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade), entre outras, generalizando-as, embora reconhecendo distinções internas, como correntes que sustentam o “predomínio do princípio estatal sobre o princípio do mercado”, a crença de que existe um modelo político rigorosamente adequado a cada identidade nacional, uma “não-organização da sociedade civil”, “não-mobilização política”, e um espírito “reacionário” – utópico, portanto, em sentido inverso ao “revolucionário” que tanto combatem – que preconiza “a volta a uma ordem natural e cristã, que julgam ter-se realizado, em parte, na cristandade medieval”, sendo “historicistas e anti-racionalistas em política”.

No século XIX, os chamados tradicionalistas sustentavam claramente a defesa “da monarquia legítima”, da união Igreja e Estado, da proscrição do casamento civil, da liberdade de imprensa e de pensamento em nome dos direitos da verdade”, sendo, portanto, faça o autor total justiça ou não ao pensamento dos autores que menciona, francamente antiliberais. Pontua, porém, que esses tradicionalistas eram e são diferentes do pensamento do Partido Conservador monárquico, que, em sua essência doutrinária, “era tão liberal quanto o Partido Liberal”. Suas influências estariam no miguelismo e no tradicionalismo português, e também nos contrarrevolucionários franceses como De Maistre e De Bonald, ao lado dos quais o autor menciona o irlandês Edmund Burke, pai do conservadorismo britânico e, por consequência, do anglo-americano – e aqui me permito uma ressalva que me incomodou: ele o faz sem asseverar que este autor influencia o conservadorismo monárquico brasileiro, e que seu pensamento, em tendo sido ele um Whig, tem um corte francamente liberal, que não se coaduna com os outros com que aparece ladeado.

Amplo, plural em sua composição, e servindo como retrato fiel e em primeira mão das articulações e movimentos dos lutadores intelectuais que traziam à baila essas ideias alternativas muito antes de cada um de nós, Liberalismo e Justiça Social é um documento altamente recomendável da aventura liberal no Brasil.

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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