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Gary Becker, in Memoriam

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EMMANUEL MARTIN*

Gary_S_Becker_in_MemoriamO Professor Gary S. Becker morreu no dia 3 de maio, aos 83 anos. Apesar de seu legado nas ciências sociais ser imenso – Milton Friedman, seu mentor, considerava Becker “o maior cientista social que viveu e trabalhou nos últimos cinquenta anos” – não se deve esquecer sua defesa da liberdade.

Becker mudou o aspecto, o método e o escopo das ciências sociais para sempre – uma das razões pelas quais recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 1992. Sua formação é a de economista, em especial assistindo a palestras de Friedman sobre microeconomia no início de 1950 na Universidade de Chicago – a prestigiada universidade cuja reputação aumentou ainda mais com o trabalho de Becker. No entanto, ele preferiu abordar questões tradicionalmente reservadas para a sociologia.

Seu método consistia em sistematizar a análise do que ele chamou de “abordagem econômica” de vários aspectos da vida humana e social. Sua aplicação do pressuposto de racionalidade a um comportamento, de um modo não estrito, inerente ao campo do mercado foi baseada na ideia de que os indivíduos sempre pesam os custos e benefícios da ação e, portanto, tendem a “maximizar” sua utilidade – na verdade, ele via os indivíduos como produtores de sua própria utilidade.

Becker é mais famoso, provavelmente, por seu conceito de “capital humano”. A percepção profunda deste conceito antes assustador (algumas pessoas detestavam a expressão por sugerir que os seres humanos eram máquinas) é essencial para a compreensão do crescimento econômico e as diferenças de renda. O capital humano é visto como um estoque de recursos produtivos incorporados em indivíduos: capacidades, habilidades, e assim por diante. A educação, geral ou específica, permite que os indivíduos aumentem seu capital humano. Antes de decidir investir no capital humano, as pessoas – e as empresas – pesam os custos e benefícios esperados. Um capital humano maior aumenta a produtividade do trabalho e, portanto, é bom para o crescimento. Ao mesmo tempo, as diferenças de investimentos no capital humano podem explicar as diferenças de rendas com base na produtividade. As teorias modernas de crescimento endógeno, na verdade, se baseiam em grande parte nesta análise do capital humano.

Outra consideração fundamental encontrada nos trabalhos de Becker é a importância do tempo. Embora o crescimento econômico possa proporcionar mais bens e serviços, a dotação de tempo não pode mudar. Assim, o tempo se torna cada vez mais valioso com rendimentos cada vez maiores. Isto, obviamente, tem implicações para as decisões que alguém toma de se envolver em atividades que consomem tempo como fazer compras, preparar refeições, e até mesmo criar filhos. Esta percepção abriu a porta para uma nova teoria do consumidor, em que o consumo é visto como um ato de produção da utilidade da pessoa e uma análise econômica das decisões familiares.

A economia da família, de fato, é outra grande parte dos trabalhos de Becker. A ideia de que os indivíduos se envolvem em decisões racionais sobre a família, em especial o casamento, filhos e divórcio, pode parecer pouco romântica, mas na verdade é uma ferramenta analítica bastante poderosa. Uma conclusão interessante, por exemplo, é a de que os pais podem não investir na conscientização de seus filhos para a necessidade de cuidar deles em sua velhice se existir pensão do governo e programas de assistência médica.

A mesma lógica da “abordagem econômica” aplica-se ao crime e castigo. Uma vez, quando atrasado para um compromisso na Universidade de Columbia, Becker decidiu estacionar ilegalmente na rua em vez de dirigir até o próximo estacionamento. Ele fez isso depois de pesar racionalmente os custos potenciais das duas opções. Este foi o início de seu trabalho sobre a economia do crime e punição. Criminosos são pessoas como outras quaisquer: eles pesam os custos e benefícios quando praticam uma ação. A política na época era a de se afrouxar cada vez mais com os criminosos. Para Becker não havia mistério de por que a criminalidade estava explodindo: o crime compensava. Aumentando-se o custo da atividade criminosa com punições mais duras e uma aplicação mais vigorosa, o crime seria menos rentável. Muitas cidades, como Nova York, adotaram políticas com base nas ideias de Becker.

Seus primeiros trabalhos trataram da economia da discriminação, explicando como os mercados competitivos tendem a eliminar a discriminação. Em seus últimos anos, Becker ressaltou como a globalização era uma força contra a discriminação racista e sexista e a desigualdade econômica dela decorrente.

Muitos têm criticado o “imperialismo econômico” de Becker. No entanto, como Becker afirmou em seu discurso do Nobel, “ao contrário da análise marxista, a abordagem econômica a que eu me refiro não entende que os indivíduos são motivados apenas por egoísmo ou ganho. É um método de análise, não uma suposição sobre determinadas motivações. Junto com outros, procurei afastar os economistas de suposições bitoladas acerca do interesse próprio. O comportamento é impulsionado por um conjunto muito mais rico de valores e preferências”. Assim o potencial heurístico – para dizer o mínimo – da “revolução” de Becker deve ser entendido. E já deu frutos: deu origem à geração da “Freakonomics“, e sua dimensão interdisciplinar propiciou um valioso intercâmbio de conhecimentos. Também foi importante para o renascimento da análise institucional, uma subdisciplina fundamental dos estudos humanos.

Professor Becker, um verdadeiro liberal clássico – ou seja, um devoto da liberdade individual sob o Estado de direito – foi presidente da Mont Pèlerin Society, no período 1990-1992. Tive a oportunidade de estar com ele duas vezes e entrevistá-lo. Ele era um perfeito cavalheiro, humilde, acessível e sempre pronto a ouvir. Ele realmente se importava com os menos dotados e infelizes deste mundo. Era dedicado à causa da liberdade para todos.

Isso é revelado em suas últimas palavras na última publicação em seu blog, em março, na qual sabiamente defendia o “fim [do] embargo à exportação e à importação de bens e serviços entre os Estados Unidos e Cuba. O povo cubano irá se beneficiar quase imediatamente. Esse pode ser o momento exato para que tal mudança aumente a pressão sobre o governo cubano para acabar com a sua fracassada experiência com o comunismo”.

Que ele descanse em paz.

* DIRETOR do INSTITUTE FOR ECONOMIC STUDIES – EUROPE e ANALISTA da ATLAS ECONOMIC RESEARCH FOUNDATION

Artigo publicado pelo AtlasOne, novo projeto da Atlas Network para maior visibilidade a artigos de opinião.
Tradução / adaptação: Ligia Filgueiras
imagem: ATLASNETWORK WORLD10, 8 May 2014

 


 

Para os fãs de Becker: entrevista realizada por Enrique Alejo, conselheiro econômico e comercial da Espanha em Chicago

 

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Ligia Filgueiras

Ligia Filgueiras

Jornalista, Bacharel em Publicidade e Propaganda (UFRJ). Colaboradora do IL desde 1991, atuando em fundraising, marketing, edição de newsletters, do primeiro site e primeiros blogs do IL. Tradutora do IL.

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