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Faz sentido falar de neoliberalismo? (segunda parte)

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Esse artigo é uma continuação de Faz sentido falar de neoliberalismo?.

James Buchanan e seus colegas de atividades que conceberam a Escola das Escolhas Públicas (Public Choice) ajudaram-nos a religar economia e política, esclarecendo-nos a respeito de várias relações entre ambas. Esclarecendo-nos sobretudo sobre o vínculo da democracia com a economia de mercado, e as possibilidades de o exercício da primeira comprometer a eficácia da segunda.

Bruno Leoni, o professor italiano de direito que, em seu magnífico livro Freedom and the Law, nos mostrou que a liberdade convive melhor com o direito consuetudinário do que com o positivismo jurídico. O italiano Norberto Bobbio tornou clara as relações dialéticas entre democracia e liberalismo em seu clássico Liberalismo e Democracia. Einandi nos mostrou que a liberdade política depende da liberdade econômica.

A contribuição definitiva de Hayek e Mises ao problema da impossibilidade do cálculo econômico num regime de planejamento central demonstrou de fato a inviabilidade do planejamento econômico.

Friedman, Stigler, Douglass, North, Ronald Coase, etc., marcaram presença digna do Nobel que receberam por mostrarem as relações entre liberdade econômica e liberdade política, entre liberdade econômica e prosperidade, a importância das instituições garantidoras da liberdade econômica e os direitos de propriedade. Stigler lançou luz sobre o problema da regulamentação, e Ronald Coase abriu o caminho para o equacionamento adequado das externalidades. Schultz e Becker destacaram a importância do capital humano no processo do desenvolvimento.

Deixarei de mencionar vários autores que ajudaram, no século XX, a ampliar o conceito de liberalismo e esclarecer as relações entre política, economia e direito. Passo a escrever sobre o enriquecimento empírico que nos trouxe a história dos últimos 100 anos, e que nos autoriza a reconhecer que a prosperidade depende da liberdade econômica e que esta, por sua vez, depende da existência de instituições que a garantam, bem como aos direitos de propriedade. Os leitores interessados nessa relação entre liberdade econômica, prosperidade e certas instituições poderão ler com proveito o livro de G. W. Scully, Constitutional Environments and Economic Growth, Princeton University Press, 1992. Fontes igualmente importantes de informações são os relatórios anuais do Fraser Institute (Vancouver, Canadá), Economic Freedom of the World, e da Heritage Foundation (Washington, DC), Index of Economic Freedom.

Essa rica evidência empírica comprova de maneira expressiva a notável intuição do escocês Adam Smith de que a riqueza das nações dependia da liberdade econômica exercida por agentes particulares numa economia de mercado e numa ordem social com discretíssima presença estatal (Adam Smith, A Riqueza das Nações, 1776).

Essa rica evidência empírica comprova de maneira expressiva a notável intuição do escocês Adam Smith de que a riqueza das nações dependia da liberdade econômica exercida por agentes particulares numa economia de mercado e numa ordem social com discretíssima presença estatal

Durante todo o século XX os países experimentaram todos os tipos possíveis de intervenção, e a história desses 100 anos se encarregou de mostrar-nos o fracasso de todas elas: regulamentações, estatizações, planejamento central, os vários tipos de beneficiência, a previdência social, a socialização da medicina, os programas visando à erradicação da pobreza, o protecionismo industrial, as leis trabalhistas inspiradas na Carta del Lavoro, de Mussolini etc. Talvez o programa de combate à pobreza do presidente Johnson, dos EUA, seja uma sugestiva lição de indigência dos processos políticos como pretensos substitutos das forças espontâneas e impessoais do mercado. Trinta anos após a sua inauguração, esse programa havia gasto mais de 6 trilhões de dólares, sem conseguir diminuir o índice de pobreza nos Estados Unidos. A previdência social pública é um fracasso universal: nos Estados Unidos, Alemanha, França, Brasil etc. Contrasta com esse fracasso o sucesso extraordinário da privatização da previdência social no Chile, em 1980. A socialização da medicina também é vexame mundial no Canadá, na Inglaterra, na Suécia e onde quer que se tenha implantado. A privatização de empresas antes estatizadas mostra também um resultado extremamente favorável em todo o mundo.

Mas esta é a grande lição a ser extraída da história do século XX: o processo político (em qualquer de suas formas) é muitíssimo menos competente do que o mercado para administrar o problema econômico da escassez. Aprendemos também que o socialismo não funciona (exceto no céu, onde é dispensável, e no inferno, onde sempre existiu), e que a “terceira via” é o melhor caminho para o Terceiro Mundo, conforme a advertência de Vaclav Klaus.

Mas esta é a grande lição a ser extraída da história do século XX: o processo político (em qualquer de suas formas) é muitíssimo menos competente do que o mercado para administrar o problema econômico da escassez.

O enriquecimento do conceito de liberalismo, o fracasso do socialismo real (e seus irmãos, o comunismo, o fascismo e o nazismo), a falência do Estado benemerente e a contundente evidência histórica da relação entre liberdade econômica (e suas instituições) e prosperidade criaram ambiente político favorável às ideias de privatização, desregulamentação e abertura comercial. Essas ideias inspiraram as reformas do Brasil (na gestão do Marechal Castello Branco), no Chile do General Pinochet, na Inglaterra da Senhora Tatcher, nos Estados Unidos do presidente Reagan, na revolução institucional da Nova Zelândia de 1986 etc.

Suponho que foi exatamente essa onde liberalizante, particularmente no setor externo de várias economias, que inspirou as viúvas do socialismo a encontrarem os xingamentos que substituem a sua carência de argumentos racionais para atacar qualquer movimento político que privilegia a autonomia individual ou restrinja os poderes públicos. Os xingamentos encontrados foram exatamente neoliberalismoglobalização. Em suma, para a esquerda festiva, a nossa e a de fora, neoliberalismo é tudo que se relacione a mais liberdade pessoal e menos governo. Nesse ponto está certa, mas falha sistematicamente quando tenta na prática identificar quando impera o mercado ou o governo.

O Prêmio Nobel James Buchanan sintetizou o nosso momento histórico com precisão e amarga ironia: “O socialismo morreu, mas seu espírito continua vivo”. E continua mesmo, nos movimentos “verdes”, na “ação afirmativa”, no neoprotecionismo, na maior parte das ONGs.

Sim, creio que há um neoliberalismo, coerente com as ideias do liberalismo clássico do século XIX, enriquecido e ampliado do ponto de vista conceitual e enormemente fortalecido com as lições da história.

 

 

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Og Leme

Og Leme

Og Leme foi um dos fundadores do Instituto Liberal, permanecendo por décadas como lastro intelectual da instituição. Com formação acadêmica em Ciências Sociais, Direito e Economia, chegou a fazer doutorado pela Universidade de Chicago, quando foi aluno de notáveis como Milton Friedman e Frank Knight. Em sua carreira, foi professor da FGV, trabalhou como economista da ONU e participou da Assessoria Econômica do Ministro Roberto Campos. O didatismo e a simplicidade de Og na exposição de ideias atraíam e fascinavam estudantes, intelectuais, empresários, militares, juristas, professores e jornalistas. Faleceu em 2004, aos 81 anos, deixando um imenso legado ao movimento liberal brasileiro.

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