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Evo Morales, MST e FBI: novos capítulos da saga do autoritarismo latino-americano

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Evo Morales
Evo Morales

Leio no site de Veja que, para minha (nenhuma) surpresa, o mandatário da Bolívia, Evo Morales, do partido bolivariano Movimento para o Socialismo, deseja continuar no poder do país. Para isso, Morales quer partir para o QUARTO mandato. Sim, exatamente isso que você leu: quarto mandato. Por quatro ciclos presidenciais, a Bolívia estaria nas mãos de uma liderança populista e socialista, forjada no casamento profano entre o socialismo do século XXI, essa quimera pseudo-inédita consolidada pelo Foro de São Paulo, e as estruturas arcaicas do patrimonialismo caudilhesco do continente latino-americano.

E, para variar, dando um “jeitinho”, porque, para todos os efeitos, essa prorrogação não está dentro da lei. Diz a matéria que a lei em vigor permite apenas uma reeleição, o que inviabilizaria um quarto período Morales. Na verdade, já inviabilizaria o atual, que é o terceiro (!!). A justificativa do líder dos camponeses indígenas “cocaleiros” – agricultores que cultivam a coca, usada tanto para fabricação de chás quanto da cocaína, abastecendo o tráfico, de relações íntimas com os poderosos da região; aliás, Veja explica que Morales é presidente de todas as federações locais de cocaleiros, mesmo sendo também o presidente do país – é de que a Constituição foi aprovada apenas em seu segundo mandato, desconsiderando o primeiro nessa conta nada conveniente. O país teria sido “refundado com a nova Constituição”. A megalomania desses líderes ridículos chega ao ponto de considerarem que suas estripulias de tiranetes refundam suas nações – e, de certo modo, embora atuando sobre um material precário pré-existente, eles têm alguma dose de razão. O esforço de degeneração cultural e institucional dos integrantes da América Latina, que culminou na ditadura mal-disfarçada da Venezuela dos bufões Hugo Chávez e Maduro, na ruína econômica da Argentina de Kirchner e no Brasil do desastre da corrupção e da inversão de valores do PT, de fato, em alguma medida, faz desses países algo tão diferente do que seus fundadores pretendiam que eles fossem, que é quase como se novas identidades nacionais – ou supra-nacionais, ainda que com retórica nacionalista, para ser mais condizente com o projeto dessa “turma” – tivessem sido criadas.

Os juízes bolivianos aprovaram a manobra, controlados que são pelo Poder Executivo. Uma reforma parcial da Constituição irá à votação popular em fevereiro do ano que vem para que seja autorizada a nova reeleição, a fim de que ele dispute no pleito de 2019. A Veja transcreve que “o presidente jura que, se o povo for contrário a mais um mandato dele nas urnas, ele se retirará da atividade política ‘contente e feliz’”. Ah, mas quanto desprendimento! Que maneira tocante a de Morales de demonstrar isso ao forçar uma mudança na Carta Magna boliviana apenas para continuar lá! Que democracia civilizada e avançada é essa em que o governante consegue permanecer no poder graças a um amplo controle sobre os demais poderes da República! A Bolívia é capitaneada por um hipócrita desavergonhado que, como os demais parceiros latinos, parece achar que seu país é sua propriedade particular, que seu povo é uma espécie de gado a quem não cabe insurgência, que comandar um governo exige a mesma seriedade que fazer gracejos em um picadeiro.

O novo autoritarismo do século XXI não se constrói à base de golpes armados que instalam regimes opressores e totalitários de forma escancarada e brutal, mas também, diante das estruturas complexas das sociedades contemporâneas, amadora. Não – com raras exceções, como Cuba e Coreia do Norte, que, em maior ou menor (ou microscópica) medida, também se veem forçadas a algum tipo de conversa com o mundo externo muito maior do que em outros tempos. Ele se constrói a partir da conjugação das velhas narrativas redentoras da “justiça social”, cristalizadas em torno de figuras carismáticas que apelam a sentimentos segregacionistas de categorias teoricamente marginalizadas; do aparelhamento das diferentes esferas do Estado; e de um investimento robusto em estratégias mais sutis (embora progressivamente menos) de pressão econômica sobre a mídia e incentivo a uma atmosfera cultural nociva às perspectivas alternativas. É só assim que funciona – e tem funcionado muito bem por estas bandas. Para fortalecer esse sistema, esses aspirantes a tiranos patéticos fazem uso de grupelhos organizados, os chamados “movimentos sociais”, que agregam à sua narrativa, ou simplesmente “descem o sarrafo” em quem a incomoda.

É o caso dos terroristas do MST, no Brasil, que invadiram, no último domingo, uma fazenda pertencente ao ex-deputado e ex-presidente do PP, Pedro Corrêa. Em reportagem de capa da Veja – de novo ela – desta semana, registra-se que, prestando delação premiada para a Operação Lava Jato, Pedro Corrêa denunciou que Lula e Dilma sabiam de todo o processo de construção do esquema do petrolão; mais do que isso, que tudo foi concebido e mantido de dentro do Palácio do Planalto. Os filhos do ex-deputado suspeitam que a invasão seja uma forma de retaliar e pressionar o delator, em nome dos interesses poderosos que ele contraria. Isso seria, caso seja verdadeiro – e quem nos garante que não? -, perfeitamente coerente com os alicerces que sustentam e alimentam esses regimes autoritários modernos. Em alguns estágios mais adiantados de deterioração das instituições, como na Venezuela, já se faz presente uma milícia armada, que agride diretamente a própria população que protesta.

Há ainda um último ingrediente: o inimigo ideal. Aquele a quem atacar e demonizar, solidificando a aglutinação em torno do próprio projeto maligno. Por aqui, em geral, o inimigo é o “neoliberalismo” (sic), personificado pelos EUA e, por exemplo, pela ideia fantasmagórica de que o FBI estaria tramando golpes militares de direita em toda a região para frear o “avanço popular”. No caso brasileiro, por ocasião da desordem na Petrobras, aparentemente os americanos estão prestes a dar mais motivos para os autoritários petistas darem seus chiliques. Segundo a revista Época, o doleiro Alberto Youssef está negociando delação premiada com os procuradores de Nova York sobre o escândalo da Petrobras, que, pelas suas dimensões internacionais, colocará – vejam só – justamente o FBI no encalço dos nossos vilões tupiniquins. Vamos recordar: depondo para os investigadores brasileiros, Youssef já apontou os dedos para os presidentes petistas.

O que virá a seguir? Os próximos capítulos do drama autoritário latino-americano serão de um marasmo sufocante ou, como parece, de agitações inquietantes e alucinantes? Resta-nos ficar de olhos bem abertos para acompanhar. Infelizmente, não diante de uma TV, comendo pipoca – afinal, trata-se das nossas vidas.

 

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

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