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Denúncia: “conselhos populares” ditando regras na UFRJ?

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GREVEA “Pátria Educadora”, como Dilma Rousseff gosta de apelidar o Brasil, vive também na educação os reflexos de sua calamidade geral. A crise – e os problemas de gestão, que fique claro – criam toda sorte de prejuízos no sistema de ensino, em especial nas universidades públicas. Grandes greves novamente entravam essas instituições, em boa parte movidas por professores e entidades sindicais que dão suporte prático e ideológico ao estado de coisas provocador das dificuldades que dizem combater. Infelizmente, de acordo com documento que recebi de um estimado professor, minha própria universidade, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, parece ter aliado esse cenário infeliz a um clima de aventuras pouco lisonjeiras por parte dos agitadores e dos comandos de greve. Senão vejamos…

O chamado “socialismo do século XXI” – uma espécie de “nome bonito” para a experiência retrógrada e opressora que tenta adaptar elementos do fracassado socialismo da Cortina de Ferro à realidade latino-americana, também tratado pela alcunha de “bolivarianismo” – tem, não é novidade, o propósito de minar as estruturas de representação típicas de uma ordem democrática-liberal. Seus sustentadores ajustam suas estratégias e retóricas às especificidades de cada país, sem deixarem de estar unidos em seu projeto de implementar uma nova forma de “governança”, um “sistema plural e aberto de participação dos diferentes setores da sociedade”, a estética entusiasmada da “democracia direta”.

Tudo balela. A consequência já é sabida: colocar seus braços militantes e ideológicos, os ditos “movimentos sociais”, no comando de “conselhos populares” (que de povo nada têm), que passam a ditar as regras e conduzir as decisões em matéria de políticas públicas. Os petistas tentaram de todas as formas impor esses conselhos com seu tom mal disfarçado de interesse democrático, com a ajuda dos setores mais radicais da esquerda nacional. Tentaram também, fazendo uso desse apelo nada ingênuo à “democracia direta”, provocar um plebiscito para uma perigosa reforma política – de que, se o Brasil necessita, certamente não será aquela que esses setores intentam aplicar.

Agora, parece que uma versão diminuta dessa “avançada forma de governança” e de tomada de decisões, com o seu típico desrespeito às regras institucionais e com uma amostra didática dos perigos que oferece, se ensaiou no bojo da longa paralisação de aulas na UFRJ, que empossou há pouco tempo seu novo reitor, Roberto Leher, simpatizante do PSOL e do MST e apadrinhado pelos movimentos estudantis tomados pelo radicalismo – ou pela ingenuidade irresponsável. A denúncia não é minha: em mensagem de 20 de agosto último, endereçada ao Ministro da Educação, Renato Janine, uma lista de professores de peso da instituição – alguns deles insuspeitos dos “crimes imperdoáveis” de “liberalismo”, “neoliberalismo”, “tucanismo”, “conservadorismo” ou “direitismo” – denunciou que “instâncias sindicais” que articulam o movimento grevista se transformaram em “canais de tramitação dos procedimentos acadêmicos e de decisão sobre questões da alçada do Conselho Universitário e do próprio Reitor”. Os sindicatos e comandos de greve estariam, segundo os professores eméritos que assinam o texto, impedindo colegas de viajarem para participação em eventos científicos fora do país, que estariam devidamente acordadas pelos corretos trâmites institucionais.

Não bastasse isso, o segundo exemplo que eles apontam parece ainda mais grave: os professores da Faculdade de Medicina desejaram o reinício das aulas, e o pró-reitor de Graduação respondeu que caberia ao Comando de Greve deliberar sobre isso (!!). Os professores eméritos defenderam que tais dimensões de poder não competem a “instâncias sindicais” e disseram recear que, se nada for feito, a situação da universidade, que “segue uma rota perigosa”, “em breve poderá tornar-se irreversível”.

Se já é doloroso ver as condições em que a universidade se afunda, mais ainda é receber a notícia de que foi palco para uma pequena experiência tipicamente bolivariana, fadada ao fracasso e que, tornando-se exemplo, nos condenaria ainda mais à mediocridade. Tomando o caso como referência negativa capaz de simbolizar todas as distorções e males que atrasam o desenvolvimento da nossa Educação, considerei a denúncia grave o suficiente para dar publicidade à mensagem dos professores. Segue abaixo transcrito o texto original.

A greve dos professores se encerrou oficialmente na sexta-feira, 21 de agosto. A greve de técnicos e assistentes administrativos – e, claro, de estudantes, já ia me esquecendo – continua, no entanto, e com isso as atividades da instituição seguem prejudicadas.

CARTA DOS PROFESSORES EMÉRITOS DA UFRJ

Exmo. Sr Ministro da Educação

Esplanada dos Ministérios, Bl. L – 8o Andar – Gabinete 70047-900 – 

Brasília – DF (e-mail: gabinetedoministro@mec.gov.br)

Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2015

Senhor Ministro,

Na qualidade de Professores Eméritos da UFRJ trazemos à sua atenção nossa profunda preocupação com episódios recentes que vêm ameaçando a nossa Universidade enquanto instituição de ensino, pesquisa e extensão de qualidade. Nossa preocupação vai além da quase completa paralisação das aulas e atividades administrativas numa greve que já dura 3 meses. Greves por longos períodos já ocorreram no passado, mas o que presenciamos agora é de gravidade sem precedentes: a transformação de instâncias sindicais em canais de tramitação dos procedimentos acadêmicos, e de decisão sobre questões da alçada do Conselho Universitário e do próprio Reitor.

Relatamos a seguir apenas dois exemplos de episódios recentes de nosso conhecimento:

1) Foi negado o pedido de afastamento do país de docente visando participar de evento científico representando a UFRJ. O processo seguiu as etapas iniciais de avaliação; porém, antes de ser encaminhado à Reitoria, duas entidades ligadas ao SINTUFRJ (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ), “Comando Local de Greve” e “Comissão de Ética” sentiram-se no direito de analisar e negar o afastamento por não considerá-lo uma atividade essencial. Solicitações análogas de outros docentes tiveram o mesmo desfecho. Na prática isto representa uma usurpação, aparentemente consentida, da autoridade da Reitoria, à revelia de qualquer norma ou regulamento da Universidade.

2) Em reunião do Conselho Universitário de 13/08/2015, o professor Afrânio Kritski, diretor da Faculdade de Medicina e com aprovação da respectiva Congregação, solicitou posicionamento do Conselho Universitário, órgão colegiado máximo da UFRJ, sobre o reinício das aulas na sua Unidade, conforme desejam seus professores. Em resposta, o Pró-Reitor de Graduação, professor Eduardo Serra, informou que o Conselho de Ensino de Graduação deliberouque excepcionalidade deste tipo deveria ser encaminhada ao CLG (Comando Local de Greve), procedimento acatado pelo Reitor, não incluindo o assunto na pauta do Consuni.
Entendemos que a avaliação de questões acadêmicas por instâncias de caráter sindical, como o “Comando Local de Greve” e a “Comissão de Ética”, invertem a prática universal em instituições de ensino e pesquisa do julgamento pelos pares, inviabilizam a convivência universitária sadia e prejudicam gravemente a reputação da nossa Universidade.

A UFRJ segue uma rota perigosa, que em breve poderá tornar-se irreversível. Certos de sua compreensão sobre a gravidade da situação institucional vigente, contamos com sua ação pronta e enérgica no sentido de apurar as responsabilidades por episódios como os descritos e regularizar os procedimentos acadêmicos da UFRJ.

Saudações Universitárias,

Antonio Carlos Secchin, Faculdade de Letras

Antonio Flávio Barbosa Moreira, Faculdade de Educação
Fernando Cardim de Carvalho, Instituto de Economia
Fernando Garcia de Mello,
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho

Heloísa Buarque de Hollanda, Faculdade de Educação
I-Shih Liu,
Instituto de Matemática
José Murilo de Carvalho, Instituto de História
Luiz Felipe Canto, Instituto de Física
Marcello André Barcinski,

Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Martin Schmal, COPPE
Nelson Velho de Castro Faria, Instituto de Física
Radovan Borojevic,
Instituto de Ciências Biomédicas
Willy Alvarenga Lacerda, COPPE
Antonio Dias Leite, Instituto de Economia
Erasmo Ferreira, Instituto de Física

Fernando de Souza Barros, Instituto de Física
Gilberto Barbosa Domont, Instituto de Química
Herch Moysés Nussenzveig, Instituto de Física
João Saboia,
Instituto de Economia
Luiz Bevilacqua, COPPE
Luiz Pereira Calôba, COPPE

Mario Luiz Possas, Instituto de Economia
Muniz Sodré
Escola de Comunicação
Nicim Zagury, Instituto de Física
Takeshi Kodama, Instituto de Física

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Lucas Berlanza

Lucas Berlanza

Jornalista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), colunista e presidente do Instituto Liberal, membro refundador da Sociedade Tocqueville, sócio honorário do Instituto Libercracia, fundador e ex-editor do site Boletim da Liberdade e autor, co-autor e/ou organizador de 10 livros.

Um comentário em “Denúncia: “conselhos populares” ditando regras na UFRJ?

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    28/08/2015 em 6:45 pm
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    Muito bom esse portal.

Fechado para comentários.

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