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As coisas nem sempre são como parecem

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Rodrigo Constantino gentilmente publicou em seu blog de Veja o meu texto de ontem sobre a proposta de instituir o imposto sobre grandes fortunas, no qual tento explicar que taxar a fortuna nada mais é do que punir os poupadores.  Segue abaixo o comentário de um leitor, de nome Washington:

“Concordo parcialmente com o que foi dito aqui. É um absurdo, o sujeito empreendedor que trabalha, produz bens materiais, gera empregos, serviços tenha que ser taxado como demonstrado aqui pelo ilustre blogueiro, mas aquele cidadão felizardo que de alguma forma abocanhou alguma fortuna e deixa tudo lá na poupança e afins simplesmente engordando na sombra do boi… esse sim deve ser taxado em até mais que 5%.”

O leitor, embora não demonstre ser nenhum esquerdista, parece contaminado por certos clichês esquerdistas.  Refiro-me aqui, especialmente, àquele que trata os famigerados “rentistas” como seres malvados e nefastos à atividade econômica em geral.  O leitor não consegue enxergar que a poupança de A, colocada no banco a render juros e direcionada por este a terceiros interessados, transforma-se no investimento de B ou no consumo de C. Ele não vê que a poupança é apenas uma forma diferente de gastar, muito mais produtiva e benéfica para a economia em geral.

Felizmente, podemos contar com o auxílio do grande Bastiat para tentar mostrar ao Washington que as coisas nem sempre são exatamente como parecem.  Transcrevo abaixo, algumas passagens da parábola “Poupança e Luxo”, publicada pelo Instituto Mises Brasil, em que Bastiat trata exatamente desse tema.  Enjoy!

Poupança e Luxo (Frédéric Bastiat)

(…)

Mondor e seu irmão Aristo, após se repartirem a herança paterna, ficam cada um com 50 mil francos de renda.  Mondor pratica a filantropia, como está na moda.  É o que se pode chamar de perdulário.  Renova seu mobiliário uma vez por ano, troca suas carruagens todos os meses, as pessoas comentam sobre os métodos que ele usa para, engenhosamente, acabar mais depressa com o dinheiro. 

Enfim, ele faz, por comparação, empalidecer os personagens bons vivants de Balzac e de Alexandre Dumas. 

Que coro de elogios se escuta sempre em volta dele!  “Falem-nos de Mondor!  Viva Mondor!  É o benfeitor dos trabalhadores.  É o anjo bom do povo!  É verdade que ele se atola na orgia, respinga lama nos que estão em volta, sua dignidade e a dignidade humana sofrem um pouco com isso…  Mas enfim, se ele não se torna útil com seu trabalho, sua fortuna se encarrega disso.  Ele põe o dinheiro em circulação e sua casa está sempre cheia de fornecedores, que saem de lá sempre satisfeitos.  Não se diz por aí que as moedas são redondas para que possam rolar?”

Aristo adotou um plano de vida bem diferente.  Se não é um egoísta, é, pelo menos, um individualista, pois ele racionaliza suas despesas, só procura prazeres moderados e razoáveis, pensa no futuro dos filhos e, para encurtar, economiza. 

E é preciso escutar o que dizem dele as pessoas:

“Para que serve esse mau rico, esse avarento?  Sem dúvida há algo de impressionante e de tocante na simplicidade de sua vida.  Ele é, aliás, humano, bondoso, generoso, mas calcula tudo.  Não gasta tudo o que tem.  Sua casa não está sempre iluminada e cheia de gente.  Que fama tem ele junto aos tapeceiros, aos fabricantes de carruagens, aos negociantes de cavalos e aos confeiteiros?”

Esses julgamentos, nocivos à moral, estão baseados no fato de que há alguma coisa que impressiona os olhos: os gastos do irmão pródigo.  E há outra coisa que se esconde deles: os gastos iguais e até mesmo mais elevados do irmão econômico. 

Mas as coisas foram tão bem organizadas pelo divino inventor da ordem social que, nesse caso, como, aliás, em tudo, a economia política e a moral, longe de se chocarem, estão em concordância, e a sabedoria de Aristo é não somente mais digna, mas ainda mais proveitosa que a loucura de Mondor. 

E, quando digo mais proveitosa, não estou querendo dizer proveitosa só para Aristo, ou então para a sociedade em geral, porém, mais proveitosa para os trabalhadores atuais, para a indústria de nossos dias. 

(…)

Sim, a prodigalidade de Mondor tem efeitos visíveis a todos os olhares: cada um pode ver suas berlindas, seus landaus, seus faetontes, as belas pinturas do teto de seu lar, seus ricos tapetes, o brilho que emana das janelas de sua casa.  Cada um sabe que seus puros-sangues correm no turfe.  Os jantares que ele dá em Paris fazem a multidão parar nas calçadas e as pessoas exclamam: “Que homem maravilhoso!  Em vez de guardar seus rendimentos, desfalca provavelmente seu capital.” Isto é o que se vê. 

Não é tão fácil de se perceber, do ponto de vista do interesse dos trabalhadores, o que se tornam os rendimentos de Aristo.  Se seguimos as suas pegadas, vamos observar que todos esses rendimentos, até o último centavo, servem para dar emprego aos operários tanto quanto certamente os rendimentos de Mondor.  Mas há uma diferença importante nisso: os gastos loucos de Mondor estão condenados a diminuir sempre e a chegar a um fim necessário.  A sábia despesa de Aristo vai engordando de ano para ano. 

(…)

Não é nunca sem um certo mal-estar físico, que chega às raias do sofrimento, que eu vejo tais contradições aparecerem no seio das grandes leis da natureza.  Se os homens tivessem que optar entre dois partidos, dos quais um ferisse os seus interesses e o outro, sua consciência, só nos restaria a desesperança no futuro.  Felizmente não é assim.  E, para que vejamos Aristo retomar sua superioridade econômica tanto quanto moral, basta-nos compreender esse axioma consolador, que não tem de ser verdadeiro para ter uma aparência paradoxal: poupar é gastar. 

Qual o objetivo de Aristo ao economizar dez mil francos?  Será o de encafuar duas mil moedas de 100 centavos num esconderijo de seu jardim?  Certamente não.  Ele pretende aumentar seu capital e seus rendimentos.  Consequentemente, o dinheiro que ele não usa para satisfazer suas necessidades pessoais, ele o utiliza na compra de terras, de uma casa, de papéis do governo, de ações da indústria, ou, então, aplica-o numa instituição financeira ou num banco.  Acompanhem o dinheiro em todas essas operações e vocês vão-se convencer de que, através dos vendedores ou tomadores de empréstimo, ele vai alimentar o trabalho, tanto quanto se Aristo, a exemplo de seu irmão, o tivesse trocado por móveis, joias e cavalos. 

Pois, quando Aristo compra terras por dez mil francos, ou aplica o capital, ele o faz na convicção de que não deve gastar essa soma, e se o fizesse vocês o censurariam por isso. 

Mas, por outro lado, aquele que vende a terra ou gasta seus rendimentos é levado pelo pensamento de que deve gastar os dez mil francos de um modo qualquer.  De tal maneira que a despesa se faz em qualquer dos casos, ou por Aristo ou por aqueles que o substituíram. 

Do ponto de vista da classe operária, do incentivo ao trabalho, só há uma diferença entre a conduta de Aristo e a de Mondor.  A despesa de Mondor, sendo feita diretamente por ele e em torno dele, pode ser vista.  A de Aristo, sendo feita em parte por terceiros e à distância, não se pode ver.  Mas, de fato e para quem sabe juntar os efeitos às causas, aquela que não se vê é tão certa quanto a que se vê.  O que prova isso é que nos dois casos o dinheiro circula e não permanece nem no cofre do irmão sábio e nem no do dissipador. 

É, portanto, falso afirmar-se que a poupança causa um real prejuízo à indústria.  Sob esse ângulo, ela é tão benéfica quanto o luxo. 

Mas quão superior essa poupança se mostrará, se nosso pensamento, em vez de se prender às horas fugazes que passam, se detiver num espaço de tempo maior, mais longo! 

Assim, imaginemos que dez anos se passaram.  O que se tornaram Mondor e sua fortuna?  E a sua grande popularidade?  Tudo se acabou!  Mondor está arruinado!  Longe de despejar 60 mil francos, todos os anos, na economia, ele está vivendo provavelmente às custas da sociedade.  Em todo caso, ele não faz mais a alegria dos fornecedores, não consta mais como protetor das artes e da indústria, não serve mais para nada diante dos trabalhadores e nem diante dos seus, que ele deixou em dificuldades. 

Ao final dos mesmos dez anos, Aristo continua não somente a pôr o seu dinheiro em circulação, mas continua aumentando seus rendimentos de ano para ano.  Ele contribui para fazer crescer o capital nacional, ou seja, o fundo que alimenta os salários.  E, como a demanda de trabalho depende da extensão desse fundo, ele concorre para o aumento progressivo da remuneração da classe operária.  Se ele vier a morrer, deixa os filhos preparados para substituí-lo nessa obra de progresso e de civilização. 

Do ponto de vista moral, a superioridade da poupança sobre o luxo é incontestável.  É consolador poder-se pensar que o mesmo se dá do ponto de vista econômico, para quem quer que, não se fixando nos efeitos imediatos das coisas, saiba levar suas investigações até os seus últimos efeitos. 

 

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João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

Um comentário em “As coisas nem sempre são como parecem

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    06/03/2015 em 4:35 pm
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    Parábola sensacional. Parabéns.

Fechado para comentários.

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