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Zonas de Comércio, Zonas Monetárias e o caso da Grécia: lições da teoria econômica – Rubem Novaes

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(Palestra proferida perante o Conselho Técnico da CNC em 17/11/2015)

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 I – INTRODUÇÃO

A Economia é chamada por alguns de “Dismal Science” (ciência lúgubre) por lidar com a escassez, ou seja, com a confrontação de desejos ilimitados, de um lado, e recursos finitos, de outro. A insatisfação, a frustração de desejos, é a regra. Por outros, é chamada de “Rainha das Ciências Sociais”, pelo privilégio de se assentar em “leis”, construídas logicamente, e que formam um corpo interligado e compreensivo, sujeito à formatação matemática e ao teste empírico.

Hoje, a Economia ganha o status de uma Teoria Geral da Decisão, aplicável aos mais diversos campos do conhecimento, mesmo àqueles distantes do universo meramente econômico. O escopo estudado ampliou-se de tal forma que Gary Becker, de Chicago, até ousou pretender criar uma Teoria Social Unificada, calcada nos fundamentos da Teoria Econômica.

Até inícios do século passado, os economistas confundiam-se com filósofos. Falava-se de Economia Política e não de Ciência Econômica e os expoentes da profissão tinham formação multidisciplinar. A partir principalmente da formulação walrasiana para o equilíbrio geral, da revolução marginalista, do uso ampliado da modelagem econômica e do desenvolvimento dos métodos estatísticos, diversos profissionais das ciências exatas passaram a se interessar pela Economia e a ocupar espaços na Academia. Nesta, cresciam de importância as cadeiras de Economia Matemática e Econometria.

A este respeito, é de Robert Solow, economista de formação matemática, o seguinte comentário: “A Economia não é mais uma conversa agradável entre damas e cavalheiros. Ela se tornou um assunto técnico. Assim como qualquer assunto técnico, ela atrai algumas pessoas que estão mais interessados na técnica do que propriamente no assunto. Isso é muito mau, mas pode ser inevitável. Em qualquer caso, não se engane: o núcleo técnico da economia é uma ferramenta indispensável para a economia política.”

Vamos então, na esteira de Solow, para a técnica, procurando definir princípios balizadores para a nossa análise das zonas de comércio e monetárias, sem, contudo, perder de vista a economia política:

II – VANTAGENS COMPARATIVAS E SEUS DESDOBRAMENTOS

Nós economistas somos regidos pela lei maior da escassez, segundo a qual “não há almoço grátis”, já que, para cada decisão, está sempre presente um custo de oportunidade. Do lado do consumo, trabalhamos com a hipótese comportamental da maximização subjetiva de utilidade. Para a produção, a hipótese comportamental é a da maximização dos lucros ou, em formulação mais moderna, a da maximização do valor de mercado da firma. Aceitamos o Princípio das Vantagens Comparativas e a Lei da Demanda Negativamente Inclinada. Por fim, estamos todos sujeitos à Lei dos Retornos Marginais Decrescentes, que se desdobra em duas leis: a da Utilidade Marginal Decrescente, na Teoria do Consumo, e a da Produtividade Marginal Decrescente, na Teoria da Produção.

Para efeito de nossa palestra, convém elaborar mais sobre o conceito de vantagens comparativas. Foi David Ricardo quem primeiro percebeu que não eram as vantagens absolutas as determinantes do comércio, como imaginava Adam Smith. Usando um modelo de um só fator de produção – mão de obra – Ricardo demonstrou que é a relação entre os bens potencialmente produzidos em cada país, e não a eficiência absoluta na produção de cada bem, que determina o comércio. Assim, todos os países se beneficiariam do comércio, mesmo que alguns fossem menos eficientes absolutamente, desde que se especializassem na produção para exportação dos bens para os quais apresentam vantagens relativas. Tomados em conjunto, os países, através do comércio, alcançariam uma superior fronteira de possibilidades de produção. E os ganhos decorrentes do comércio seriam tanto maiores quanto maior fosse a divergência de aptidões entre países.

A Teoria de Ricardo, para um só fator de produção, foi ampliada pelos suecos Eli Heckscher e Bertil Ohlin para admitir diferentes fatores de produção. Com isso a teoria das vantagens comparativas passou a postular que os países tenderiam a produzir e exportar os bens intensivos em seus fatores mais abundantes e a importar aqueles bens intensivos em seus fatores mais escassos.

Como decorrência do Teorema de Heckscher e Ohlin, conclui-se que o comércio internacional livre tende a equalizar os preços de fatores entre países, servindo de substituto ao livre movimento de fatores. Ainda na mesma esteira surgiu o Teorema de Stolper-Samuelson, segundo o qual um aumento no preço relativo de um bem faz aumentar a remuneração real do fator usado intensivamente na produção desse bem e reduz a remuneração real do outro fator.

De toda esta teorização sobre as vantagens comparativas e os efeitos do comércio, o que se extrai de mais substantivo é que o comércio livre, em princípio, beneficiaria a todos. Economistas caracterizam uma situação de “Ótimo de Pareto”, em homenagem ao seu formulador, o italiano Vilfredo Pareto, quando não é mais possível melhorar a situação de um agente econômico sem que seja prejudicada a situação de outro agente. Numa conceituação mais flexível do “ótimo”, admite-se que nem todos os agentes ganhem com as trocas, mas que os benefícios excedam as perdas, de modo a que um hipotético esquema de compensações de ganhadores para perdedores possa satisfazer a todos. Visto desta forma, o comércio livre entre as nações conduziria a um ótimo de Pareto e negociações multilaterais, como as da OMC, deveriam ser favorecidas.

No mundo real, entretanto, o comércio pode gerar perdedores e nem sempre as compensações “paretianas” ocorrem. A imigração de mão de obra barata, por exemplo, ou a importação de bens intensivos em mão de obra pouco qualificada, será benéfica para um país, como um todo, em princípio, mas baixará a remuneração dos trabalhadores que tenham qualificação semelhante a dos imigrantes. Os sindicatos dos setores prejudicados certamente lutarão por medidas restritivas à imigração ou ao livre comércio.

Casos existem também em que, detendo poder monopolístico ou monopsônico, países isoladamente, ou reunidos em cartel, possam se beneficiar de restrições ao comércio, restrições estas que, avaliadas no âmbito global, têm efeitos perversos. Lembremos aqui da queima de estoques para exportação de café no Brasil dos anos 30 (que poderia ter sido substituída por um imposto sobre as vendas para o exterior). Como nos deparávamos com demanda mundial inelástica pelo café brasileiro, a redução dos estoques significava aumento da receita de exportações. Vendíamos menos e recebíamos mais. Ganhávamos, mas perdia o mundo. Afinal, até intuitivamente, dá para perceber que a destruição de um bem, com valor positivo, só pode prejudicar o conjunto de nações.

Outro exemplo de divergência entre o interesse nacional imediato e o interesse global ocorre na imposição de tarifas quando um país tem forte influência sobre o preço de venda dos parceiros comerciais. Ou seja, o país teria poder monopsônico. Neste caso, a arrecadação de recursos via tarifa de importação mais os ganhos de produtores locais podem ser mais que suficientes para compensar a perda para os consumidores locais decorrente da restrição da oferta externa. Governantes, neste caso, seriam tentados a agir onerando o comércio e engordando seus cofres.

Outra ressalva que se deve fazer ao conceito de vantagens comparativas diz respeito ao argumento da “indústria nascente”. Muitos economistas, e Raul Prebish e Celso Furtado estão entre eles, defendem medidas restritivas ao comércio e favoráveis à substituição de importações, sob o argumento de que, na dinâmica do crescimento, a teoria estática das vantagens comparativas nem sempre se aplicaria. No caso, haveria vantagens evidentes para quem se estabeleceu primeiro para produzir nos países maduros e, desde que proteção fosse dada à indústria nascente de um país em desenvolvimento, este estaria, passados alguns anos, apto a concorrer com seus parceiros mais desenvolvidos. Mudanças históricas na relação de preços entre matérias primas e produtos industrializados também poderiam justificar algum grau de proteção à indústria nascente em países em desenvolvimento.

Notem aqui que qualquer tipo de subsídio ou proteção a um determinado setor só se justifica se no futuro a produção local vier a ser mais competitiva que a dos concorrentes externos. Afinal, custos iniciais da proteção precisarão ser compensados por benefícios líquidos futuros. Outro ponto a ser considerado é que, numa análise de equilíbrio geral, não há como proteger um setor sem desproteger outro. Tarifas impostas sobre importações, por exemplo, mudam a taxa de câmbio de equilíbrio, prejudicando exportações. Não há almoço grátis, como já vimos anteriormente.

A experiência tem mostrado que o argumento da indústria nascente tem mascarado outros interesses e que tarifas ou subsídios protetores de setores industriais, criados para serem temporários, acabam se eternizando. Milton Friedman tinha razão quando afirmava que “nada mais permanente que um programa temporário de governo”.

III – ZONAS DE COMÉRCIO E INTEGRAÇÃO ECONÔMICA

Podemos tratar aqui indistintamente de uniões aduaneiras ou de zonas de livre comércio. Nas zonas de livre comércio os países participantes rebaixam gravames comerciais dentro da zona, mas cada país mantém política própria tarifária para fora da zona. Nas uniões aduaneiras, os gravames extra zona são comuns a todos os participantes, dando ao grupo um grau de coesão mais forte.

De início argumentava-se que qualquer zona de livre comércio, ao baixar gravames entre países e favorecer o comércio, teria efeitos positivos sobre o bem-estar das nações. Foi Jacob Viner quem chamou atenção para o fato de que o funcionamento destas zonas de comércio na verdade tem como efeito a expansão do comércio intra zona, de um lado, mas, de outro, causa redução do comércio extra zona. Para sabermos se o resultado final é positivo, vamos ter de sopesar os impactos positivos da “trade criation” contra os impactos negativos da “trade diversion”, procedendo a um cálculo complexo, dependente de várias elasticidades de oferta e demanda.

Com efeito, num modelo estático de equilíbrio parcial para um só produto e considerados: o país local, seu parceiro e o mundo, pode-se demonstrar que os ganhos da “trade criation” serão tanto maiores quanto maiores forem as elasticidades de demanda e oferta no país local, mais amplas as diferenças de custo entre o país local e seu parceiro, e mais reduzidas estas diferenças entre o país parceiro e o mundo. Por outro lado, as perdas com a “trade diversion” serão tanto maiores quanto menores forem as elasticidades de demanda e oferta no país local, mais reduzidas forem as diferenças de custo entre o país local e seu parceiro, e mais amplas estas diferenças entre o país parceiro e o mundo.

Parece admitido, pela teoria, que, desde que não existam problemas políticos sérios entre países, será ruim para qualquer país ficar excluído de uma zona regional de comércio. Acontece que, no mundo real, a industrialização parece ter um valor subjetivo intrínseco. Há um elemento de orgulho nacional no “made in my country” que deve ser considerado. Este fato pode dilatar os benefícios da “trade criation”, na medida em que os países mais desenvolvidos da zona fiquem capazes de ampliar a produção industrial pela substituição de importações e pelo ganho de escala, mas pode também gerar resistências na adesão à zona por parte de países retardatários que vêem, na rebaixa de gravames dentro da zona, obstáculo ainda maior ao seu anseio de desenvolver alguns setores industriais. Do ponto de vista do desenvolvimento industrial, desigualdades, dentro da região, estariam sendo ampliadas e não minoradas.

É interessante notar que economistas criaram uma nomenclatura própria para descrever diferentes graus de integração entre países. Em escala ascendente, começamos com as zonas de livre comércio e as uniões alfandegárias e, em passos seguintes, passamos para o mercado comum, para a união econômica e, finalmente, para a integração econômica completa. O Mercado Comum pressupõe, além da união alfandegária, a remoção de todas as restrições ao livre trânsito dos fatores de produção: capital e trabalho. A União Econômica vai um passo além e promove a harmonização da política econômica entre países participantes. Por fim, a Integração Econômica completa requer até que instrumentos anticíclicos nas áreas de política monetária e fiscal sejam compartilhados.

Dito isto, passemos a tratar das taxas de câmbio fixas e flexíveis, assunto essencial para quem vai discutir a questão das zonas monetárias:

IV – TAXAS FIXAS E FLEXÍVEIS DE CÂMBIO E O AJUSTAMENTO MACROECONÔMICO

Taxas fixas e flexíveis certamente não esgotam o rol de alternativas para os regimes cambiais, já que existe uma variedade de formas híbridas no mundo real. Mas, para efeito didático e para a compreensão da maioria dos problemas, a análise destas formas extremas é suficiente.

Num regime de taxas fixas o Banco Central entra no mercado comprando ou vendendo reservas externas de modo a garantir a manutenção da taxa de câmbio. Num regime de taxas flexíveis é o mercado que determina a cotação das moedas. Por definição, o balanço de pagamentos, neste último caso, estaria sempre em equilíbrio.

De início convém destacar diferentes recomendações para a política compensatória de curto-prazo conforme estejamos sujeitos a um regime de câmbio fixo ou flexível. Nossa teoria demonstra que num mundo de alta mobilidade de capitais e taxas de câmbio flexíveis, a política monetária compensatória tem fortes poderes, diferentemente do que ocorre num mundo de taxas fixas, quando perde a efetividade por não conseguir influenciar as taxas de juros e alterar o estoque de moeda. Para a política fiscal, ocorreria justamente o inverso. Ela seria poderosa no câmbio fixo, mas ineficaz no câmbio flexível.

Questão relevante, também, é examinar como se dá o ajustamento interno em resposta a distúrbios econômicos de diversas naturezas, seja sob o regime de taxa de câmbio fixa ou sob o regime de taxa flexível.

Tomemos como exemplo uma forte queda nos preços dos produtos de exportação de um determinado país sujeito ao regime de câmbio fixo. Haverá déficit da balança comercial, perda de reservas e contração monetária. Para que os desequilíbrios sejam corrigidos precisaremos que alguma contração da economia produza queda de preços e salários. Só ajustando estes preços, o que não ocorre facilmente, equilibraremos a balança comercial e voltaremos a crescer.

Já se o país estivesse sob o regime de taxa flexível, o ajustamento seria bem mais simples e imediato. A desvalorização do câmbio faria o serviço de reequilibrar a área externa, impedindo muitos dos efeitos maléficos sobre a renda e o emprego. É como se o pianista, ao preparar-se para tocar, ajustasse o banquinho para a frente em lugar de puxar o piano para si, como faz o português da piada. Bem melhor, não é mesmo?

Mas, ora, se a taxa flexível de câmbio tem essa vantagem, o que levaria um país, ou uma região, a abrir mão de flexibilidade quanto à determinação do valor relativo de sua moeda? Que predicados ainda não citados poderiam conferir atratividade a regimes tradicionais de taxas fixas, ao padrão-ouro, à adoção de moedas dolarizadas ou à criação de zonas monetárias, casos em que a soberania nacional estaria comprometida?

Convém neste ponto, em lugar do problema com as contas externas, usar, como exemplo do desequilíbrio inicial, o surgimento de inflação em um determinado país. Com taxas fixas de câmbio, a subida dos preços internos retirará competitividade do país que, em conseqüência, perderá reservas e contrairá a sua oferta monetária. A disciplina anti-inflacionária, pelo lado das reservas, estará garantida. Já, num regime de taxas flexíveis, a depreciação do câmbio deverá vir em seqüência ao aumento dos preços internos, colocando ainda mais lenha na fogueira da inflação. Para países descuidados no combate à inflação, o regime de taxas fixas pode, portanto, ter um certo “appeal”, muito embora seja também verdade que uma irresponsabilidade em alto grau na gestão das contas públicas pode impor um padrão de inflação causador de especulação contra a moeda e detonador de maxidesvalorizações periódicas.

Outras características podem favorecer a que países ou regiões se submetam ao regime de taxas fixas ou à adoção de uma mesma moeda intrazona. Por conveniência didática, raciocinemos com os Estados federados norte-americanos onde reina uma só moeda: o dólar. Se subitamente aumenta no Sul a demanda por produtos do Norte haverá tendência ao desemprego no Sul e crescimento de salários no Norte. Como são baixos os custos de locomoção e todos comungam da mesma língua e cultura, facilmente a mão de obra migraria do Sul para o Norte e o ajustamento se daria sem grandes problemas.

Vê-se aqui que não só a redução dos custos de transação deve ser ponderada ao avaliarmos as vantagens do uso de uma só moeda por diferentes regiões ou países. Também a mobilidade dos fatores de produção é fator decisivo na determinação da conveniência ou não de criação de uma zona monetária. Afinal, quando existe alta mobilidade de fatores, desaparecem os problemas de ajustamento macroeconômico inerentes ao regime de taxas fixas de câmbio ou ao seu quase equivalente regime de moeda única.

Postas estas observações, estamos agora em condições de discutir a Zona do Euro (Eurozone) e os problemas que afligem a Grécia:

V – “OPTIMUM CURRENCY AREAS” E O EURO

Em 1961, Robert Mundell escreveu uma nota para a American Economic Review chamando a atenção da profissão para a necessidade de definição do que seria uma Zona Monetária Ótima, onde países, ou regiões, adotariam uma mesma moeda. A partir daí, toda uma discussão técnica surgiu e foi ampliada quando das tratativas para a formação da Zona do Euro, na Europa.

Como já podemos intuir dos comentários anteriores, se levarmos em conta apenas aspectos relacionados ao ajustamento macroeconômico, a plena mobilidade de fatores seria o fator de delimitação da “zona monetária ótima”. Pouco importariam aqui as fronteiras entre países. A zona monetária poderia ser um pedaço de um país, a união de diferentes países ou mesmo a reunião de diferentes áreas de diferentes países. Fatores como baixo custo de transporte, unidade lingüística e de costumes etc, de forte influência na mobilidade, é que deveriam ser ponderados.

No mundo real, no entanto, não cabe desconsiderar as fronteiras entre países, já que a perda de soberania nacional, implícita na adoção de uma moeda comum, tem um peso considerável. Mundell, inclusive, em seus primeiros escritos sobre o assunto, mesmo reconhecendo problemas no movimento da mão de obra entre países, via a perda de soberania como o maior fator impeditivo à criação de uma moeda européia. Nisso, seguia a posição do Professor James Meade. Contra a posição de Meade, Tibor Scitovsky argumentava que uma moeda comum para a Europa Ocidental incrementaria fluxos de capital e estimularia medidas que promovessem a melhor coordenação econômica e a integração do mercado de trabalho. Tudo isso compensaria a perda de soberania. Com o tempo, reconhecendo o papel indutor de melhor governança para a região da moeda única, Mundell caminhou na direção de Scitovsky e foi o grande nome da Academia na defesa da criação do Euro.

Na discussão técnica, outro forte argumento de defesa do Euro está na já mencionada redução dos custos de transação. As funções que a moeda tem de unidade de conta e meio de pagamento seriam obviamente melhor desempenhadas e os custos de transação seriam reduzidos com o uso de uma só moeda. O argumento da conveniência, se levado às últimas conseqüências, poderia até justificar uma moeda única para o mundo todo, como, inclusive, propunha John Stuart Mill, colocando em segundo plano os custos de ajustamento macroeconômico.

Há de se reconhecer, embora ressaltando argumentos técnicos que envolvem a matéria, que argumentos puramente políticos pesaram muito nas decisões do bloco europeu para a criação da Eurozone. O sonho de uma Europa grande, unida, contrapondo-se ao peso dos EUA e, mais tarde, da China, teve o condão de unir principalmente a Alemanha e a França em torno do projeto de integração econômica completa para a União Européia.

Mas, isso não se deu sem fortes argumentos contrários. Países periféricos da Europa tiveram de ser atraídos com vantagens para aderirem ao projeto do Euro. A população dos países mais ricos, principalmente da Alemanha, reage quando instada a pagar contas de terceiros países. E Milton Friedman, em influente artigo, argumentava que apenas a Alemanha, a Áustria e mais alguns poucos países do Norte da Europa (Benelux) qualificariam para um regime de moeda única. Dificuldades na compreensão lingüística, diferenças culturais e divergências quanto à necessária austeridade fiscal afastariam os demais países de um conceito de “optimum currency area”. Segundo Friedman, o projeto do Euro, que tem como principal objetivo a união e a paz da Europa, poderia ter efeitos contrários aos pretendidos. Em suas palavras: “Unidade política pode aplainar o caminho para a unidade monetária. Mas, unidade monetária, imposta sob condições desfavoráveis, representará uma barreira para a conquista da unidade política”.

Postos estes pontos, estamos agora aptos a examinar a situação atual da Zona do Euro e o problemático caso da Grécia:

VI – A ZONA DO EURO E A GRÉCIA

A Zona do Euro foi oficialmente criada em 01 de janeiro de 1999 por onze Estados-membros da União Européia, a saber: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos e Portugal. Após período de cunhagem e adaptações institucionais, a nova moeda passou a circular a partir de janeiro de 2002. Hoje, dos 28 Estados-membros da União Européia, 19 aderiram ao Euro, sendo que a Grécia decidiu aderir já em 2001. Dentro da União Européia, não aderiram ao Euro: Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Polônia, Romênia, Reino Unido, República Checa e Suécia, mas espera-se que Bulgária, Croácia, Hungria, Polônia e Romênia venham a aderir brevemente. Em compensação, Mônaco, São Marino e o Vaticano, que não fazem parte da UE, aderiram ao Euro. Cabe notar, finalmente, que a Suíça, Liechtenstein e a Noruega não fazem parte da UE nem utilizam o Euro como moeda oficial.

Cabe ao Banco Central Europeu, através de sua diretoria executiva, a execução da política monetária para a Zona do Euro. Esta política é definida por um Conselho Diretivo composto de todos os presidentes dos bancos centrais da Zona, mais os seis membros da diretoria executiva do BCE. O atual mandato imposto ao Banco determina absoluta prioridade no combate à inflação, que não deverá ultrapassar 2% ao ano, ficando tão próxima quanto possível desta marca.

Com relação à política fiscal, não há uma perfeita integração entre os países da Zona, ficando resguardada a soberania de cada país. No entanto, os países membros sujeitam-se a um compromisso, pouco respeitado, de não ultrapassar os limites de 3% do PIB para o déficit orçamentário anual e de 60% do PIB para a dívida pública.

Note-se que um Conselho (Eurogroup), formado pelos diversos Ministros da Fazenda dos países membros, reúne-se periodicamente tentando harmonizar as políticas internas de cada país. Mais recentemente, em função da crise econômica e da situação da Grécia, os próprios chefes de Estado têm participado do Eurogroup, procurando coordenar medidas apaga-incêndio em todos os segmentos da política econômica.

Convém registrar, também, que a Zona do Euro tem uma população de cerca de 335 milhões de habitantes e um PIB da ordem de 11 trilhões de euros. Seu PIB representa 14% do PIB mundial, o que se compara com 21% para a União Européia, 20% para os EUA e 18% para a China.

Para qualificar-se como país membro da Zona do Euro, a Grécia, que nunca primou por austeridade fiscal, comprometeu-se a seguir as exigências do grupo. Afinal, para conquistar o selo de qualidade, valiam alguns sacrifícios de soberania e o compromisso de ajustar déficits e a evolução da dívida soberana para parâmetros mais restritos. Como as taxas de juros deveriam baixar num país supervisionado pelo BCE e a economia grega é extremamente dependente do turismo, muitos benefícios certamente adviriam da adoção de uma moeda de aceitação generalizada em lugar da moeda local.

Acontece que as facilidades de financiamento encontradas pela Grécia tiveram o efeito de estimular a gastança pública e a concessão de privilégios. Os salários pagos a funcionários públicos, por exemplo, cresceram 50% de 1999 a 2007. As Olimpíadas de Atenas, em 2004, também comprometeram bastante as contas públicas. Passa-se o tempo e, no final de 2009, as autoridades gregas confessam que a verdadeira situação fiscal do país é bem pior que aquela até então mostrada ao mundo. O mercado fechou então suas portas e o país teve de ser salvo em 2010 pela “troika” composta pelo FMI, pelo BCE e pela Comissão Européia (órgão executivo máximo da União Européia, localizado em Bruxelas) com um primeiro socorro de 240 bilhões de euros.

Com as medidas de austeridade impostas pelos credores, segue-se um período de forte recessão só atenuado em 2014. Em 5 anos a Grécia havia perdido um quarto do seu PIB e o desemprego superava os 25% da população ativa. Com a recessão e a decorrente queda das receitas tributárias, as promessas feitas aos credores não puderam ser cumpridas. Neste clima assume em janeiro de 2015 o Governo Tsipras, de esquerda, prometendo libertar a Grécia dos grilhões dos credores e implementar programas populares. A fuga de recursos do país foi a resposta imediata do mercado e a quebra era iminente. As autoridades européias mostravam-se dispostas a oferecer um novo socorro, mas só se viesse sob condições ainda mais duras para a Grécia. Tsipras resistia com apoio da população, esperando que os países líderes da Europa fossem amolecer pelo receio de arranhar o projeto da Eurozone com a perda de um país membro. A França parecia mais condescendente com a irresponsabilidade grega, mas a Alemanha não arredava pé de suas exigências. A população grega balançava entre objetivos mutuamente excludentes: queria escapar da disciplina do ajuste, de um lado, mas queria também permanecer na Zona do Euro. Após uma longa e desgastante negociação, entremeada por um plebiscito e por novas eleições, Tsipras finalmente cedeu aos credores avaliando que a permanência na Zona do Euro era o bem mais valioso para o seu país. Um novo acordo de ajuda foi assim assinado com os países da Zona, em agosto último, agora no valor de 195 bilhões de euros.

Com isso a situação do endividamento grego passou a ter a seguinte configuração:

-Dívida total: 320 bilhões de euros equivalentes a 177% do PIB.

-Credores: Alemanha, 57 bilhões de euros; França, 43 bilhões; Itália, 38 bilhões; Espanha, 25 bilhões; Outros países da Zona, 32 bilhões; BCE, 27 bilhões; FMI, 24 bilhões; Credores privados, 63 bilhões; Outros bancos centrais, 11 bilhões.

VII – CONCLUSÃO

É difícil prever se a Grécia será capaz de honrar seus compromissos daqui para o futuro. Mais difícil ainda é prever que consequências teria um próximo “default”, dada a impaciência dos parceiros mais poderosos com o histórico de indisciplina do país. Muitos acham que a presença da Grécia na “Eurozone” é artificial e que mais dia menos dia ela terá de retornar ao Dracma. Existem também aqueles que acham que artificial mesmo é a presença da ortodoxa e super eficiente Alemanha na Zona do Euro, entendendo que uma valorização do marco em relação ao Euro poderia resolver muitos dos problemas de competitividade dentro da Europa. Finalmente, há os que, na linha de Friedman, consideram artificial o desejo de unir monetariamente regiões díspares como o Norte da Europa e a Europa Mediterrânea. Em suma, há opiniões para todos os gostos.

Duas lições, entretanto, devem ser extraídas deste drama grego. Uma é que, na formação de uma Zona Monetária, a perda de soberania dos países não se deve limitar ao abandono da moeda nacional. Cada vez mais o sucesso da integração monetária dependerá também da integração das políticas fiscais, pois as populações de países austeros não mais aceitarão cobrir os rombos de países indisciplinados. A outra lição é que a economia só suporta pequenos desaforos. Para os grandes, a punição dos mercados vem forte e tem conseqüências políticas. Mesmo os governantes populistas têm de se submeter às restrições econômicas, já que, no médio e longo prazos, não há salvação fora da obediência às leis do mercado.

Finalmente, cabe registrar a preocupação de que o atual fluxo de refugiados para a Europa e o recrudescimento de ações terroristas na região sejam capazes, não só de piorar a situação grega, como também de esvaziar o sonho de uma Europa totalmente integrada. Afinal, é imprescindível para a concretização deste sonho o livre trânsito de pessoas por toda a região e o que se nota no momento é o fechamento de fronteiras e uma nova tendência à introversão e à contestação de decisões multilaterais.

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Rubem Novaes

Rubem Novaes

PhD em economia pela Universidade de Chicago e colaborador do Instituto Liberal-RJ. Foi professor da EPGE/FGV, diretor do BNDES e presidente do SEBRAE.

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